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ENTREVISTA


Pedro Senna Nunes. Imagem cortesia do realizador.


Pedro Senna Nunes, Fruta Tocada por Falta de Jardineiro (2022). Still do vídeo.


Pedro Senna Nunes, Fruta Tocada por Falta de Jardineiro (2022). Still do vídeo.


Pedro Senna Nunes, Fruta Tocada por Falta de Jardineiro (2022). Still do vídeo.


Pedro Senna Nunes, Pequena Desordem Silenciosa (2021). Cartaz


Pedro Senna Nunes, Pequena Desordem Silenciosa (2021). Still do vídeo.


Pedro Senna Nunes, Quatro Estações e Outono (2018). Cartaz


Pedro Senna Nunes, Quatro Estações e Outono (2018). Still do vídeo.


Pedro Senna Nunes, Quatro Estações e Outono (2018). Still do vídeo.


Pedro Senna Nunes, Quatro Estações e Outono (2018). Still do vídeo.


Pedro Senna Nunes no filme Quatro Estações e Outono (2018).


Pedro Senna Nunes e equipa CiM em Sesimbra 2022. Imagem: Voarte.


Pedro Senna Nunes em workshop da CiM, Torres Vedras. Imagem: João Pedro Rodrigues


Pedro Senna Nunes em workshop da CiM, Torres Vedras. Imagem: João Pedro Rodrigues


CiM 3,50 x 2,70, Abril 2022, Torres Vedras. Imagem: João Pedro Rodrigues


CiM O AQUI. Imagem: Beatriz Reis


CiM SOMATATI, 13 Março 2022, Sesimbra. Imagem: João Pedro Rodrigues

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JORGE MOLDER



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MIGUEL VON HAFE PÉREZ



JOÃO RENDEIRO



MARGARIDA VEIGA




PEDRO SENNA NUNES


29/05/2022 

 

Pedro Senna Nunes é realizador, produtor, fotógrafo, professor e programador cultural. Concluiu o Curso de Cinema depois de frequentar o curso de Engenharia de Máquinas. É co-fundador da Companhia Teatro Meridional, na qual se responsabilizou pelo departamento de cinema e audiovisual. Entre Barcelona, Lyon, Sitges, Budapeste, Lisboa e Florença participou em cursos e workshops sobre cinema, fotografia, vídeo, teatro e escrita criativa. Realizou documentários, ficções, spots e trabalhos experimentais em cinema e vídeo. Foi bolseiro de várias instituições – Fundação Calouste Gulbenkian, Universidade de Ciências de Lisboa, Pépenières, Visions - Documentary European Course. Foi também co-fundador da Avanti.pt Associação de Cinema e Audiovisual e da Apordoc - Associação pelo Documentário. Nos últimos 24 anos tem-se dedicado simultaneamente à área da pedagogia, criando e dirigindo laboratórios dedicados à criação e experimentação, tanto documental quanto ficcional. É investigador do CLEPUL - Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias e doutorando em artes performativas e imagens em movimento na Universidade de Lisboa (UL).
Em conversa com a Artecapital, Pedro Senna Nunes falou-nos dos seus mais recentes trabalhos cinematográficos, que derivam da sua aproximação à pessoa e à obra de Jorge Listopad, assim como dos 15 anos da CiM – Companhia de Dança, da qual é co-director artístico, e do seu vasto trabalho multidisciplinar e em constante expansão.


Por Liz Vahia

 

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LV: Podes falar-nos dos teus últimos filmes, Fruta Tocada por Falta de Jardineiro (2022), que foi distinguido com uma Menção Especial do júri do Cinema Português, no Fantasporto deste ano, e Pequena Desordem Silenciosa (2021)? Ambos são filmes muito “sensacionistas”.

PSN: Os dois filmes sonham-se, são o horizonte sonhado um do outro. Derivam de um filme que se apresenta como um tronco-comum, a longa-metragem intitulada Quatro Estações e Outono, em que me apresento como investigador do universo de Jorge Listopad. Uma construção rizomática, presa a um certo hibridismo, fez nascer ambos os filmes, como duas folhas que não se perdem de vista.
O desejo de realizar estes filmes está assente num movimento inerente à plasticidade da imagem. Poucos são os elementos que entram por absoluta necessidade - do arquivo, às inversões, às cores. É geralmente a força sensorial (indefinível, insondável) dos elementos que determina a forma como são trabalhados cinematograficamente. São múltiplas transmissões, contemporâneas, de um cinema multi-lingua, atento às questões da poesia que se inscreve e faz inovar o cinema, ou pelo menos, que o fortalece.
Os diálogos, melhor, o monólogo de um filme dialoga com o do outro. Esta interlocução esculpe o que procura ser a expressão de uma linguagem que entrelaça no mesmo jogo: palavras, imagens e sons. Os dois filmes relacionam-se como dois vasos comunicantes, ambos criam um diálogo focado numa reflexão profunda sobre a linguagem cinematográfica.
Os dois filmes têm uma musicalidade inerente - uma espécie de sinfonia que intensifica a relação som/imagem com a palavra, sem perder de vista o tempo que nos leva às emoções e às sensações que lhes descobrimos. As sensações que decorrem destas triangulações são a matéria-prima desta construção cinematográfica - uma abstracção comummente designada por poética onde a preocupação narrativa surge já tardiamente no processo criativo, moldando-o à sua maneira ao invés de o impulsionar de raiz.
Neste sentido, ambos os filmes vivem de uma relação sensorial, como a vida do cinema que por sua vez é também o cinema da vida. Os filmes derivam de uma base investigativa, do toque e do olhar, do toque do olhar, como forma de nos aproximar de uma realidade distinta. Um ponto de vista musculado pela intensa presença de personagens subtis. Pequena Desordem Silenciosa é um exercício mais simples, mais plástico/estético, enquanto Fruta Tocada por Falta de Jardineiro já se permite a perscrutar as imagens por texturas e temáticas invisíveis a um primeiro olhar, mas textualmente possíveis e até desejáveis.
Nesta sequência de afectos e desejos nasce um terceiro filme.


LV: Depois desse Quatro Estações e Outono (2018), regressas então nestes filmes à obra de Jorge Listopad. Crês que existe na sua obra uma cinematografia latente? Que tipo de relação há entre ti e as palavras deste autor?

PSN: O Jorge Listopad marcou claramente a minha vida. Desde o primeiro contacto, desde as primeiras palavras, com o seu sotaque, percebi a grandiosidade e a jovialidade desta pessoa tão singular e profundamente conhecedora do mundo e das suas variáveis. Escritor, crítico, professor universitário e encenador teatral, convidou-me a entrar na capela, espaço de ensaios do grupo de teatro universitário TUT – Teatro da Universidade Técnica. Eu tinha simplesmente ido acompanhar a namorada que pretendia ingressar no curso de teatro. O curso era de dois anos, acabei por ficar cinco. Tudo porque o Listopad fez questão de não me deixar à porta. Depois percebi que ele fazia também parte da direcção da ESTC – Escola Superior de Teatro de Cinema. Era a única escola de cinema naquele tempo, eu estava em engenharia de máquinas, tentei mudar para engenharia química para chegar ao cinema pelo laboratório, pela película, acabei por desistir desta estratégia e ingressar no curso de cinema.

Guardo o seu carácter profundamente cintilante, presto-lhe homenagem, e devolvo a outros, através do que faço, a força da sua experiência de vida. Nem tudo são filmes, nem tudo termina num filme. Porém, estou-lhe grato por sentir o seu apoio, bem como de toda a sua família, nos mais diversos projectos que vou abraçando. Certamente que este movimento marca o tempo que nos aproxima. Existe um desafio acutilante na forma como as palavras são sequenciadas nas mãos do Listopad. As palavras surgem dispostas por um humor leve, penetrante. As palavras nas suas mãos adquirem uma pele que as une, amplia e aprofunda. Um mundo oculto, indisciplinado e em constante (re)organização.
A obra de Jorge Listopad está assente numa cinematografia própria, muito concreta e palpável. São as próprias palavras que carregam tesouros de sons e imagens que nos chamam a atenção. As imagens, as palavras, esperam-nos, pré-existem, olham-nos. Neste sentido, não é o autor mais fácil de cinematografar, isto se não quisermos incorrer na mera ilustração. O desafio vem precisamente daí. Mais do que perscrutar a obra de Listopad em busca de uma cinematografia latente, temos, eu, e em particular, o João Dias e o Nuno Madeira, e os restantes elementos da equipa, assumido um diálogo muito próprio e particular com o autor.
Os sons e as imagens que lhe propomos não são aqueles que a sua poesia encerra, mas outros, que julgamos possíveis - são reflexos, inversões, desafios à sua escrita. Procuramos continuamente descobrir possibilidades no texto que não nos pareça visar à partida. O objectivo passa muito pela criação de um objecto intermédio, conjunto, que por um lado leve as palavras do Listopad numa outra direcção, e que por outro seja moldado pelas palavras por forma a reconfigurar a imagem filmada - torná-la em algo que não era, mas que passou a ser.


LV: A relação entre a imagem cinematográfica e outras áreas criativas/investigativas esteve sempre presente no teu trabalho como realizador. Conta-nos brevemente como se diversificou o teu percurso desde a Escola Superior de Teatro e Cinema até uma produção multifacetada de videodança, instalações vídeo ou mesmo espectáculos de dança/teatro.

PSN: Existe uma força misteriosa que explicará muito melhor do que eu, o sentido do meu percurso e as respetivas ramificações. Comunico através da junção de vários elementos, pertenço ao lugar em que tudo está interligado, mas esta pergunta faz-me dançar entre memórias e perder-me nas suas correspondências. Tudo está em tudo, e se há coisa que une todos estes territórios, prende-se exclusivamente com a posição central que o espectador ocupa para mim. Esse desafio constante, fino e psicológico, de levar a experiência do “meu ponto de vista”, complexo de caracterizar, ao espectador, acreditando que é agora o passageiro do comboio que baloiça o meu trabalho, é desafiante.
Tanto olho para o palco, como para a galeria, como para um espaço na via pública, ou mesmo um ambiente virtual com o mesmo sentido cénico, cinematográfico e simultaneamente coreográfico. Todos estes detalhes são encenações regulares. São detalhes que marcam a precisão da minha caminhada. Tudo se interliga, tudo pode e deve ser experimentado até ao limite da sua construção e sublinhado pela minúcia das propostas e pela elasticidade da pressão dos prazos de finalização, e mesmo das datas de estreia.
Vivo a tecer vínculos entre projetos. Reciclo, reescrevo, recombino, reoriento. Talvez a escola, como instituição, seja um bom porto de abrigo para a questão do esquecimento. Um sítio que nos obriga a pensar nos pontos de origem. Perco-me. Na escola resiste-se a uma certa dose de esquecimento, perante as novas formas de consumo a que nos acostumámos. Estamos sujeitos, por isso, a este exercício de ordenar a desordem para procurar sentido(s), onde apenas existe a poderosa invisibilidade. Exijo que a exigência exista, e se proclame.
Pensativo, mergulho num céu de ideias que se cruzam de variadas formas, em vários graus de contaminação. Tudo se releva no sentido em que as coisas acontecem. Mas, tudo é mais simples, a dança do teatro, o cinema da poesia, a instalação da música, o palco do ecrã, e o ecrã do palco. Aliás, o ecrã é uma viagem. O palco, também. Existe uma tentativa de marcar a realidade, marcar e interpretar. Empenho-me em ensaios, tentativas. Processos, experiências. Arrependo-me, avanço, luto, até me equilibrar. Num balanço que não trai demasiado a ideia e a vontade inicial. Entendo, e aprendo, que não me afasto daquela força a que muitas vezes chamamos: das “circunstâncias”.
Na verdade, as coisas têm-se vindo a suceder, entre ideias próprias, convites, cruzamentos, atropelos de ideias. Uma verdadeira sequência em que o critério subjacente é o de procurar afeto, emoção e prazer. Tenho uma enorme vontade de me comover com as coisas que faço. Sabendo que quero trazer ao mundo, coisas que o mundo ainda não viu, ou se as viu estava distraído.
A minha trajetória, essa pegada invisível que nos caracteriza, é como uma língua, e uma língua é um sistema extremamente complexo, remete para um vocabulário que enriquece com os anos, as palavras ganham cor, envelhecem, vivem de um regime multiforme, que podemos esculpir a potência de explodir e florir no sistema receptor. A diversidade do trabalho que faço, expressa-se na amizade que procuro com outras línguas, outras pessoas, noutras conversas, literalmente como um amor, e na liberdade da dúvida.


LV: Este ano celebram-se os 15 anos da CiM – Companhia de Dança, da qual és co-director artístico juntamente com Ana Rita Barata. Esta companhia junta intérpretes com e sem deficiência. Como é que este projecto tem evoluído e como te parece ter contribuído para a formação e visibilidade de criatividades singulares?

PSN: A CiM justapõe ao mundo real, um mundo de sonhos e de sombras luminosas – um movimento de múltiplas áreas, onde dança, teatro, imagem e poesia, criam um futuro comum. Há vidas que começam quando se abrem os olhos. Há outras que começam com uma dança, capaz de tirar o fôlego. A CiM é mesmo isso: uma dança do fôlego.
Como diz a realizadora americana Marta Renzi, uma amiga da VoArte, "Dancing is an old friend”. A CiM é seguramente esse amigo incrível, inacreditável, fora de série. A dança habita-nos na cabeça e contagia-nos o corpo.
A CiM – Companhia de Dança desenvolve um trabalho regular de formação e sensibilização focado nas particularidades do movimento e expressividades únicas de cada bailarino/intérprete, potenciando através da coreografia uma visão mais criativa da ideia de capacidade e limite, revelando a diversidade enquanto força motriz.
Foi criada em 2007, e tem vindo a promover uma abordagem pioneira da criação artística face à inclusão, através do cruzamento de áreas artísticas. A CiM procura a diversidade de caminhos e um constante enriquecimento através de experiências, onde a multidisciplinaridade surge como impulso de novos métodos e respostas à produção e exploração artísticas.
Entre fantasias, saltos e voos, há́ evidências que retratam o caminho que a CiM tem percorrido, tanto para o campo das artes, como da cultura, pela inclusão, no combate à exclusão. A CiM é uma companhia dotada de um projecto dialogal com forte dimensão conceptual. Aprecio o rasgo e a forma como a Ana Rita elege o corpo como experiência, numa abordagem livre, transmutável, sem esconder as fragilidades.
Gostamos da expressão a que Thomas Behrens recorre para caracterizar o seu trabalho: “Design for Resilience”. Andamos perto, conjugamos tarefas, queremos fazer mais e melhor, pela singularidade do outro. Sei que a CiM quer continuar a ser conhecida pela sua forma de ser, pelo seu experimentalismo. É uma companhia de sentido comum e espírito comunitário. Destaco como grande responsável do nascimento da CiM, como grande impulsionador, o fotógrafo e agente social ARoque, pioneiro nas matérias do cruzamento da arte e do desporto com a deficiência.
Através de projectos como o Geração SOMA, que trabalha ainda com crianças com e sem necessidades educativas especiais (NEE), nas escolas públicas, workshops em dança inclusiva, aulas regulares e abertas à comunidade, Ana Rita Barata, Bruno Rodrigues e os bailarinos da CiM, partilham o método de trabalho e a pesquisa que têm desenvolvido em torno das relações entre dança, (d)eficiência e integração, trabalhando a criatividade, a cooperação e a comunicação, tendo em vista a incorporação de ideias sobre autonomia e mudanças de paradigma. 
Pesquisar, interagir, criar, avaliar, reformular e apresentar. A mensagem é a repetição, criatividade e valor humano. Na CiM fazem-se nascer flores entre ruínas, os corpos abrem alvoradas e sopram ventos vindouros. A CiM é um "tesouro" não por, digamos, inerência de estar "escondida", não é isso que procura, mas porque o mundo continua a ter alguns (de)feitos de socialização e integração.
Em 15 anos a CiM conta com um repertório de 12 espectáculos, apresentados em território nacional em mais de 29 cidades e internacionalmente em 12 países distintos, com a participação de mais de 100 artistas, com e sem deficiência, e ainda com uma forte componente de formação com 36 workshops e mais de 2 mil participantes, é um percurso longo e recompensador, de grandes conquistas, partilhadas por mais de 200 mil espectadores.
Destaco algumas das distinções que a CiM recebeu: BPI Capacitar, Prémio Acesso Cultura e o Prémio Nacional de Inclusão. Bem como o apoio do Programa Partis da Fundação Calouste Gulbenkian.
Em 2022, reconhecemos que muitas coisas mudaram ao nível da política cultural, mas está ainda muito por fazer. Continuamos sem um espaço próprio onde pudéssemos desenvolver o projecto que tem um posicionamento internacional, especialmente europeu, a CiM tem estado em muitos projectos pioneiros na Europa, especialmente com vista à integração de pessoas cegas e surdas nas artes performativas.
Para celebrar os 15 anos a CiM acabou de estrear o espectáculo Somatati, em Sesimbra e Santarém, retomou o espectáculo 3,50x2,70 e em breve estará em Colónia para apresentar o espectáculo Geografia Humana. Tem ainda outras apresentações pelo país até ao final do ano e será destaque, com espectáculos, workshops e exposições de fotografia retrospectivas, na próxima edição do Festival InArt, no Centro Cultural da Malaposta, em Julho.
A CiM é um testemunho singular da poesia da verdade, perante tudo que vivemos.


LV: Outros projectos que associamos a ti são, por exemplo, a associação Vo’Arte e o festival InShadow. Como é gerir estas estruturas permanentes e estes eventos anuais e ao mesmo tempo manter um trabalho continuado como realizador?

PSN: É uma conjugação complexa, mas sempre o fiz, toda a vida. Isto é, várias tarefas, com diferentes exigências, em simultâneo. Este é um dispositivo que me deixa em vibração com o quotidiano. Continuo com esta multiplicidade de funções e de trabalhos.
Na VoArte a minha participação é especialmente contínua, ainda que tenha vários momentos em que estou fisicamente ausente. Como são os exemplos dos festivais com que tenho ligações, ao nível da programação, pré-selecção, premiação ou da formação, sabendo que os festivais têm uma preparação e uma pós-produção exigentes, nada visíveis. Embora o momento mais intenso de um festival, sejam os dias de contacto com o público. No
conjunto, o meu papel como realizador acaba por se dividir por todas as frentes e eu ganho tudo o que as frentes de devolvem para o meu treino de espectador.
Na VoArte, empenho-me no trabalho de articulação, um trabalho artesanal, onde os processos se interligam e contaminam de forma desafiante e intensa. A VoArte é um projecto inovador que promove o diálogo e a descentralização cultural, com vista ao estreitamento das relações entre comunidades e à formação de novos públicos. Conta com o apoio da DGARTES, Ministério da Cultura, Câmara Municipal de Lisboa, APCL - Associação Paralisia Cerebral de Lisboa.
Aproximam-se os 25 anos de VoArte, em 2023, são 25 anos intrinsecamente diferentes de qualquer outro projecto, em qualquer outra parte. A VoArte nasceu da vontade de produzir, promover e valorizar a criação contemporânea, através do cruzamento de linguagens artísticas e do desenvolvimento de projectos nacionais e internacionais, apoiando o intercâmbio e a transdisciplinaridade na criação.
A VoArte/CiM, no âmbito do projecto europeu Un-Label, foi uma das 10 entidades seleccionadas a integrar o manual "Innovation Diversity - New approaches of cultural encounter in Europe", que destaca as melhores práticas artísticas inclusivas na Europa. Foi seleccionada para vários programas artísticos e inclusivos, e co-organizou dos projectos europeus Fragile, Unlimited Access e EVDH - European Video Dance Heritage.
A VoArte é actualmente co-organizadora do projecto Europeu Signandsoundtheatre.eu (programa Europa Criativa - Comissão Europeia) e do projecto REAL - Reflective Expressive Artistic Learning (Programa ERASMUS+) que exploram novas formas de produzir arte inclusiva, para um público inclusivo.
Todas estas frentes têm sido desenvolvidas, obviamente, em conjugação com a equipa. Normalmente uma equipa jovem e muito activa, em articulação comigo e com Ana Rita. Este é um trabalho de profusão, somos uma equipa num farol. A Transmissão é feita através de uma trama inter-geracional. A gama de tarefas engendra a tentativa de compreender e, sobretudo, avançar na percepção de um desconhecido por onde queremos continuar a navegar, sendo que estamos também dentro do farol que ajuda a navegação.
Destaco a implementação ao longo dos anos, focado no nosso interesse por quem assiste aos nossos espectáculos, o espectador de novo, de termos investido em recursos acessíveis aos espectáculos através da áudio-descrição e do uso de língua gestual.
Relativamente ao InShadow - Lisbon ScreenDance Festival, que terá este ano a sua 14ª edição, é um festival em expansão. É hoje uma referência no território da criação contemporânea transdisciplinar, com destaque para a convergência entre a imagem e o corpo e processos de criação artística fundados na tecnologia.
Explora a representação do corpo no ecrã, no palco e noutros espaços de actuação. Géneros e linguagens cruzam-se em vídeos, espectáculos e performances, instalações e exposições. A programação integra uma competição de vídeo-dança, de documentário e de animação, performances, uma secção destinada ao público infanto-juvenil, LittleShadow, uma forte componente de formação com workshops e masterclasses destinados aos vários públicos, bem como instalações e exposições que expandem o Festival pela cidade. 
Congratula-nos que o Festival InShadow, desde 2015, tem tido o reconhecimento prestigiante do EFFE – Europe for Festivals, Festivals for Europe.  
Eu, tal como o InShadow, estou no lugar da descoberta, da revelação e do desenvolvimento de projectos. Acredito num espaço de troca e inovação em Portugal e noutros países onde o festival de descentraliza, em particular por vários países da América do Sul.
InShadow promove a criação contemporânea e imprime novos cruzamentos e olhares na cidade de Lisboa em diálogo com o Mundo. Reflecte sobre a vitalidade de um diálogo aberto pelo encontro da experiência de artistas consagrados com as visões de criadores emergentes.
O corpo imagina-se na sombra.


LV: Sei que tens uma agenda muito ocupada, entre trabalhos de produção e realização e outros pedagógicos, vamos poder ver ainda este ano mais algum trabalho teu novo?

PSN: Entre sonhos, por vezes desdobro-me onde tudo se cruza: família, projectos, vidas, aulas, amigos, fantasmas, cultura e processos pedagógicos. O cinema está sempre presente, por mais ocupado que eu esteja. É o meu labor essencial. Adoro filmar, fazer filmes, mas também festivais, e acompanhar os meus filhos no seu florescimento.
Aproveito, e faço um parêntesis, para recordar que sou co-fundador do Teatro Meridional, a minha base inicial. Sou igualmente co-fundador da Avanti.pt, uma associação vocacionada para a produção experimental de vídeos, e da Apordoc – em defesa do documentário. Programo e oriento várias formações em articulação com a Ao Norte, estrutura que dirige, entre outros, o MDoc e os Encontros de cinema de Viana. Mas, dedico muito do meu tempo ao ensino, principalmente na ETIC – Escola de Tecnologias, Inovação e Criação, onde mantenho um trabalho regular de coordenação e implementação de estratégias pedagógicas.
Tudo se move e surge precisamente nos interstícios do quotidiano, alimentado por momentos esporádicos e ideias fugazes. Há uma nova curta-metragem em curso, terceira parte deste até agora tríptico Listopad pós-Quatro Estações e Outono - na realidade, será o terceiro capítulo de um projecto maior, uma longa-metragem, presentemente em curso, a que tenho chamado de Folhas Caídas. Trata-se de um aglomerado de momentos que, por uma ou outra razão, ficaram fora do filme Quatro Estações e Outono, mas que juntos apresentam uma visão distinta, marcadamente mais abstracta, de Listopad.

Este ano ainda temos vários projetos pela frente para estrear, não só a chegada das novas edições dos festivais que temos em mãos, bem como o avanço de um novo filme e as filmagens de um filme de dança há muito adiado. Destaco a 14ª edição do InShadow – Lisbon Screen Dance Festival, em Novembro/Dezembro. No contexto da residência de Cinema e fotografia - Plano Frontal, que oriento no MDoc - Festival Internacional de Documentário de Melgaço vamos estrear novos 4 filmes e inaugurar 3 exposições de fotografia, juntamente com alunos de vários contextos. No caminho, iremos iniciar os ensaios de um novo espectáculo, embora tenhamos acabado de estrear um novo, o intitulado Somatati. E teremos muito em breve, como já referi, o regresso do Festival Inart – Community Art Festival, no Centro Cultural da Malaposta, no fim de Julho, e que teremos todo o gosto em receber-vos.
Tento muitas vezes adivinhar o que se segue, mais do que adivinhar, avizinho e faço acontecer. Sou determinado, levo tempo, mas não desisto. Respiro fundo. Chegamos muitas vezes ao sítio onde nos queremos saber recebidos. Como diz o Listopad, “a minha memória é para amanhã”.