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ENTREVISTA


Teresa Arega. Cortesia da artista.


Instalação no primeiro open studio do Departamento, sem título ainda, 2023.


Imagem da exposição final na residĂȘncia "TrambolhĂŁo" no Centro Cultural Quinta MagnĂłlia, 2022.


Comets among stars, 2023.


Imagem da exposição "Peguei fogo ao céu", Galeria do Sol, 2022.


Proof that the weight of communication is irrational, Galeria do Sol, 2022.


PĂĄgina do Guarda-Livros, 2023.


GrĂĄfico, 2023.


Map, 2023.


Debaixo da ĂĄrvore, 2022.


A vontade dos dias, 2022.


Colaboração com o projecto Paralaxe, inserido na publicação "ObservaçÔes sem torno do tempo, a terra e o ar", 2020.


Boxing ring / wildlife garden.


Imagem da publicação Pitanga, 2019.


Imagem da publicação Pitanga, 2019.

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JOÃO RENDEIRO



MARGARIDA VEIGA




TERESA AREGA


29/03/2023

 

 

Com influências literárias de Al Berto, Mary Olivier, Toni Morrison, James Baldwin a Vergílio Ferreira, Teresa Arega brinca entre a palavra e o desenho.
Linhas sensíveis sobre materiais delicados que, apesar de um pendor abstracto, sugerem um caminho narrativo, ou, noutra perspectiva, obscurecem parte da narrativa que está a contar. Estas narrativas, por sua vez, brincam com as formas e as formas brincam com o espaço, criando pequenas pontes entre modos de operação. As linhas com direcções são também linhas com intenções, e as da Teresa existem fruto da vontade de questionar alguma coisa que está entre o inevitável cinismo contemporâneo e a esperança necessária a continuar.
Há espectros de uma vida familiar a ocuparem a sua prática e esses fantasmas andam a pairar pelos poemas, que são desenhos, e é, não sem uma certa alegria embevecida, que lhe vejo a palavra andar nas mãos depois de saltar da boca.
Teresa Arega pertence ao grupo sensível das que usam a palavra como matéria viva e que sabem aceitar que a palavra sangra e que a palavra também grita.

Este texto resulta de uma conversa com Teresa Arega (Funchal, 1997) em Março de 2023, que se adequa aqui para uma versão escrita.


Por Catarina Real

 

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Catarina Real: A primeira vez que vi o teu trabalho foi no projecto Paralaxe.

Teresa Arega: Foi a primeira que me convidaram para escrever para um projecto. O convite não ter sido dirigido ao meu trabalho visual deixou-me animada, era um novo desafio. Acabei por participar com um conjunto de poemas.


CR: Se calhar começamos por uma visão geral do teu percurso.

TA: Claro!
Sou natural do Funchal e vivo no Porto. Em 2015 entrei na Faculdade de Belas Artes do Porto onde estudei Pintura. Terminei em 2019 e pouco depois começou a pandemia, o que me fez ter uma experiência atípica do pós-licenciatura. No entanto, não senti que me tivessem tirado o chão porque já tinha vindo a trabalhar em colaborações fora da faculdade, o que se manteve. Tive apenas de me adaptar a lidar com a nova realidade de ser um jovem adulto no mundo do trabalho e da arte.

Fundei um estúdio com a Teresa Arêde, em Agosto do ano passado. Mais tarde o Hugo Flores juntou-se a nós.


CR: É uma partilha de espaço ou também uma colaboração artística?

TA: Neste momento, só a partilha do espaço. Ainda estamos no período de habituação. Temos horários diferentes, e é raro estarmos os três no estúdio.
No entanto, temos os três uma exposição marcada para o início de 2024 e interessa-nos pensar a interferência no nosso trabalho desta partilha de estúdio. Será algo pensado, mas acho que não colectivo. No fundo somos um grupo informal com fortes ligações entre o que fazemos e entre aquilo pelo que nos interessamos.
As conversas que temos vêm desse interesse, e foi a primeira vez que experienciei isso. É nisso que vamos pegar para 2024. E a partir daí ver como tudo se movimenta no espaço expositivo.


CR: Uma coisa completamente fora do comum dentro do que disseste foi sair da faculdade não te ter tirado o tapete. Para a maioria das pessoas, parece-me, a experiência é antagónica.

TA: Dentro da faculdade estava cheia de raiva. Queria ir contra tudo o que estava estabelecido, porque achava pouco e limitador. Essa postura fez-me procurar mais coisas fora da faculdade e também desenvolver mais o meu corpo de trabalho sem estar preocupada em responder às propostas que nos deixavam.
Esta postura, com um certo inconformismo, vem da minha educação na Madeira. Os anos do ensino secundário, de ensino público e regular de Artes Visuais, foram, percebo agora em comparação com as experiências dos meus colegas, completamente excepcionais. Só tive professoras mulheres e artistas que nos estimulavam a encontrar soluções, nos exigiam sentido crítico e, à falta de outra palavra, eram engajadas no que estavam a fazer. Tratavam-nos como artistas, como iguais, e não como alunos.
Esperava mais exigência quando ingressei na faculdade, e isso não aconteceu, apenas o contrário.
Juntamente com isto, saí da casa dos meus pais e tive de ser independente, fiz muitas amigas que eram mais velhas e já começavam a trabalhar dentro da área. Todo esse conjunto de condicionantes fez-me tornar mais desligada do ambiente académico. Procurava experiências fora da faculdade que me estimulassem, e por isso fui encontrando algumas propostas de trabalho e realizando algumas colaborações. Quando terminei o curso já tinha o mínimo de experiência e foi só continuar, apesar da circunstância pandémica. Também já não precisava de nenhum factor externo para me impor ritmo e horários de trabalho.


CR: No teu site tens um curto statement. Questionas, ou assim o queres fazer, problemas contemporâneos onde o cinismo e a esperança andam emparelhados. Percebo a contradição dentro da vida.
Gostava de perceber o teu caminho até esta pequena frase se ter tornado a tua reivindicação artística.

TA: O meu trabalho sofreu uma mudança gigante no ano passado. Estava-se a tornar um exercício muscular: olhava para a pintura como se estivesse a organizar uma gaveta, sendo que a gaveta era o quadro e eu estava a encaixar formas e linhas. Tornei-me eficaz nesse exercício de arrumação e estava já tão enraizado que se tornava repetitivo, ao ponto de ser aborrecido e irritante. Comecei a ficar novamente zangada e insatisfeita.
Tive a oportunidade de fazer um projecto com carta branca e percebi que era o momento de dar a volta ao meu trabalho, ia alterar a repetição da arrumação e isso poder tornar-se a catapulta para um lugar mais interessante. Este projecto foi o “Peguei Fogo ao Céu”. Também veio de um lugar de raiva. Carinho e raiva andam lado a lado, parece-me.
A partir daí reconstruí o meu trabalho e tudo o que me interessa. É impossível fazer uma rotura total com o que fiz antes, por isso tive de olhar para o que fiz anteriormente e fazer a triagem entre o que me interessava ou não levar para a frente.
Foi aí que pensei como conseguiria resumir o que faço a uma pequena frase. E cheguei a esses dois lados que julgo que tenho; uma forma muito esperançosa de ver a vida, que é onde tenho de estar para conseguir trabalhar, e esse cinismo omnipresente, que é também o que tantas vezes me impede de fazer qualquer coisa que seja. O meu trabalho anterior não estava a considerar esse cinismo. Penso, agora, que ele é importante de alguma maneira. É por ele existir que a esperança se torna uma espécie de fé, como contraponto.


CR: O cinismo é o depois da raiva, quando se aceita resignado... e nesse seguimento tenho duas coisas a dizer. Infelizmente só vi a documentação de “Peguei Fogo ao Céu”, contudo esse projecto aparenta ser tudo menos raivoso. Por outro lado, e pensando nos teus textos, apontei que a experiência do carinho (ou de eu sentir que enquanto leitora havia a presença de um carinho no texto) era contrabalançada com, mais do que raiva, uma sensação de insegurança e de perda. Era um contrabalanço que se repetia. Nos teus desenhos, o ciclo de esperança e de cinismo, nas palavras em que o colocas, ou de carinho e insegurança como o coloquei, veem-se.
Qualquer coisa que existe na nossa vida parece marcada por uma paradoxalidade inevitável. Esta cinética circular ao encarar alguma coisa é expectável; enquanto pessoas de um certo espectro geracional é inevitável.
Os teus desenhos, juntamente com o texto, que se vai contrabalançando têm este movimento implícito. É já textual e narrativo, o ciclo. Ou seja, intui-se algo que vai acontecendo e volta atrás para depois ir um pouco mais para a frente, num movimento espiralado.
Não tenho com isto nenhuma pergunta. Esse movimento parece-me uma característica narrativa implícita, conectada com a frase que também estivemos a circundar.

TA: Não sou particularmente boa a contar histórias. Gosto muito, mas não sou boa.
Aliás, os meus amigos costumam dizer-me para ir mais rápido, ficam impacientes ou perdem o interesse porque dou muitos detalhes e perco o fio à meada. Por imagens consigo ser mais sucinta.
Aquilo que referes quanto às características narrativas e cíclicas creio que resulta de uma ferramenta que comecei a usar quando começo um novo trabalho. Reúno um vocabulário inicial, podem ser imagem, fotocópias, figuras pequeninas... (Adoro brinquedos e coisas que são coisinhas pequenas, amuletos...) Muitas vezes esse vocabulário vai constando como coisa, desenho, simplificação de formas, e tudo o que aparece é construído a partir dele. Há muitos elementos que se vão repetindo porque essa narrativa se vai construindo com base no mesmo vocabulário.
Confesso que também sou um pouco obcecada com o público, com o espectador e com a forma como as coisas são lidas. Preocupo-me com a forma como a experiência se dá. É preciso dar espaço para o outro entrar. Uma boa peça, um bom desenho, um bom objecto, é aquele em que alguém comunicou e que considera também o espaço entre o que o autor comunica e quem o vê.
A repetição do vocabulário funciona como uma estratégia para deixar esse espaço intacto e protegido.


CR: E como prevês a forma de relação de quem vê com o que constróis?

TA: Não falo com muitas pessoas no processo de trabalho, não procuro que isso aconteça. Há coisas que me fazem perceber se estou a interferir ou não nesse espaço. Coisas simples como informação no cartaz, no caso de uma exposição, ou uma folha de sala. Também costumo ser sensível à quantidade de objectos num espaço, num livro ou num desenho. E depois confio. Tenho de confiar que a informação que a minha intuição me diz que é correcta dar é suficiente para cristalizar e proteger esse espaço. E também para não deixar que nada interfira com essa confiança.


CR: Embora paralelo, mas em linha com o espaço que referes... Sobre o ambiente elitista e academizado do trabalho artístico disseste, no pequeno documentário da Sara Brandão disponível no teu site, “Se tu gostas, isso não é o suficiente para perceberes? Não é sobre isso? A arte não é sobre gostar e não gostar?”. Gostava que conversássemos em torno desta frase.

TA: A minha forma de pensar e de ver as coisas vai evoluindo... Vai-se mutando. A questão de a arte ser algo que vem do lugar do sentir... Assusta. Há muita produção a ser feita que não vem daí, mas para mim a coisa mais importante é fazer alguma coisa que vem do campo do sentir e que abre espaço para a força que o sentir tem. Esse campo vem acompanhado por questões várias, as quais à época do documentário eu talvez não estivesse a par.
A investigação pode acompanhar o sentir, o conhecimento auxilia o que se faz intuitivamente, que parte desse sentir que refiro e que vai ser visto também com essa lente do sentimento.
Na altura talvez tivesse medo de cair na academização. Associava a investigação a uma coisa inerte. Agora procuro o equilíbrio entre ambas as coisas, porque não vejo que o caminho seja negar a investigação. Acho-a uma coisa essencial.


CR: O equilíbrio da raiva com a esperança!
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Quanto ao universo das publicações e da auto edição... Essa relação de sequencialidade dos desenhos não é também uma característica que entre tão comummente no universo das artes plásticas. Está mais próxima do formato de livro e de um ver na horizontal.
Gostava de saber como chegas a ele.

TA: A minha família adora ler. O meu avô era escritor, o meu pai escreve, a minha mãe é das letras. O meu avô era mesmo guarda de livros e eu cresci com eles. Nunca ninguém me obrigou a ler, nunca foi uma imposição, mas tornou-se tão presente que sempre fez parte da minha paisagem. Adoro livros. Livros infantis, principalmente porque é onde encontro mais facilmente essa simplicidade em contar uma história. Há poucos ou quase nenhuns elementos para contar uma história, duas ou três frases por página. E há imenso espaço. Nos romances não há esse espaço. Não é preciso também... mas esse espaço sempre me interessou.
De resto... Sempre tive um diário gráfico, desde o sétimo, oitavo ano, embora não tivesse intenção ou ambição de ser artista. No 11º, 12º ano esses diários gráficos já tinham essa continuidade narrativa entre desenhos, que mais tarde me apareceria como familiar.
A minha primeira publicação foi um fac símile do meu diário gráfico, ainda na faculdade. Mais tarde fiz o “Pitanga” que era uma articulação narrativa sobre a casa dos meus avós. Sobre o jardim, mais especificamente. Aí foi a primeira vez que pensei uma história em páginas, com muito poucas imagens e texto, tudo a preto e branco. E tudo muito simples.
Até chegar ao “Guarda Livros” [projecto em que a Teresa tem vindo a trabalhar], fui escrevendo... Nada completamente narrativo. Quando comecei o “Guarda Livros” tudo surgiu também de um da frustração. Porque é que tenho de obedecer a regras, das artes plásticas ou da banda desenhada? O processo foi mesmo esquisito. Desenhava as folhas, e mais tarde, já quando tinha cerca de quinze, comecei a escrever. Demorou um ano e meio. Não foi lento, só o tempo que teve de ser. E está ainda em mutação, porque estou a refazer o texto e as imagens todas.

Foi assim que eu cheguei às publicações.


CR: Será então este o próximo projecto a ser apresentado ou achas que ainda vai demorar o tempo “que tem de ser”?

TA: Não sei se será.
A razão pela qual tenho vindo a partilhar algumas destas páginas nas minhas redes sociais é o cansaço. O cansaço de não conseguir financiamento para publicar este livro e poder partilhá-lo. Ter isso em mente - publicar em formato de livro impresso - estava a impedir-me de partilhar o trabalho que já tinha realizado. Chateei-me por estar presa, e passei a outro formato, para não ficar mais tempo engavetado.


CR: Para falares da tua relação com as narrativas e com os livros falaste do teu ambiente familiar. No teu trabalho ele também está presente, quer na construção de texto quer nos desenhos, embora nesses seja mais difícil de o afirmar. Apercebes-te desse levantamento de memórias ou ambientes familiares?

TA: “Guarda Livros” é um livro de homenagem à minha família. Agora já mais desconstruída, para cristalizar esse espaço de que temos vindo a falar, mas é uma homenagem às histórias da minha família. E ao que significa memória e história familiar na nossa sustentação enquanto adultos capazes. Sinto que a minha família fez muito por mim de todas as maneiras.
No meu trabalho anterior, muitos foram os momentos dedicados a ela também, embora de uma forma diferente, talvez apenas a membros particulares da minha família.
Por isso, sim e não. Ou sim, só não da mesma maneira


CR: Estes gráficos e esquemas e equações que constam nos teus desenhos... é uma matemática paralela?

TA: Neste momento o que estou a gostar muito de fazer é procurar gráficos e alterá-los. Não preciso de fazer muita coisa para eles se tornarem desenhos; apagar uma ou outra coisa, e ganham logo uma dimensão emocional, vasta e especulativa. Como dizia quanto ao vocabulário; tenho uma base de imagens com as quais brinco. Às vezes também as deixo só por aqui, até chegar o dia certo.

 

Nova imagem do podcast Varicela, 2023.

 


CR: Há algum projecto para além dos que mencionámos de que me queiras falar?

TA: Posso contar-te o que estou a fazer desde Outubro, o projecto que me tem tomado a maior parte do tempo. Não tem nada a ver com nada do que disse até agora. Estou a fazer um videoclip para uma banda de Lisboa/Funchal em animação 2D. Gosto de trabalhar com outros artistas, vejo-o sempre como um fluxo de ideias... Tem sido muito produtivo porque eu peguei na canção e como ela tinha coisas que já estavam presentes no meu corpo de trabalho fui construindo o léxico inicial. Mapas, desenhos, gráficos, imagens para serem transformadas, escalas, legendas. Tudo tem sido um desafio, porque saí do conforto do que tenho vindo a fazer, no que toca à técnica. Mas no fundo é apenas uma outra forma de contar uma história. É imagem em movimento.

Vou também voltar com o meu podcast, Varicela [disponível em todas as plataformas de podcasts], que esteve parado desde 2021.
Quando acabei a faculdade tive o desejo de não deixar que certas conversas ficassem no estúdio porque as achava mesmo valiosas, e queria dar uma plataforma aos meus amigos para falarem do seu trabalho, por isso criei este podcast de conversas e entrevistas a artistas.


CR: E fizeste também a imagem de todo o podcast.

TA: Já passaram alguns anos e agora o podcast terá um propósito diferente. Já alterei a imagem gráfica para este retorno, mas ainda estou a decidir o resto. É algo que me entusiasma muito e cujo ressurgimento também resulta de muitas pessoas ao meu redor me perguntarem quando o retomaria. Surpreendo-me sempre. Surpreende-me que as pessoas o ouçam. Para mim, pessoalmente, ele serve-me de arquivo de conversas que acho preciosas.

 

 

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Catarina Real (Barcelos, 1992) Trabalha na intersecção entre a prática artística e a investigação teórica nos campos expandidos da pintura, escrita e coreografia; maioritariamente em projectos colaborativos de longa duração. É doutoranda do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho com uma investigação que cruza arte, amor e capital. Encontra-se em desenvolvimento da Terapia da Cor, prática aplicada entre teoria da cor, arte postal e intuição coreográfica.