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Data de 1757 o ensaio de David Hume sobre A Norma do Gosto. Que o autor do Ensaio sobre o Entendimento Humano e um dos filósofos maiores do racionalismo iluminista se tenha debruçado também sobre o “gosto” é indício suficiente de quanto essa questão foi importante na constituição do espaço público da civilidade burguesa. De alguma maneira tal constituição do espaço público foi em grande parte erigida pela discussão artística e cultural, pelas publicações e informação e crítica.

“As normas do(s) gosto(s)” discutem-se e estão sujeitas a critérios estéticos e críticos, das instituições e do mercado, que operam os discursos e meios de legitimação. Acontece que diferentemente do que deixem supor variados discursos sobre o declínio da aura da obra de arte, quando não mesmo do “fim da arte”, “the end of art”, a mediatização, a hipermediatização mesmo, suscitou uma valorização da figura pública de alguns artistas, trabalhando a sua “originalidade” não apenas pelo critério do inusitado mas também, mediaticamente, do”acontecimento”.

O momento em que esta crónica entra em linha é um daqueles em que se apresenta um novo paradigma com o mega-leilão de obras de Damien Hirst e a exposição de Jeff Koons em Versalhes, esse espaço entre todos símbolo de um poder absoluto. Pouco importa então a confrangedora banalidade artística que se pode apontar a um e outro, Hirst e Koons: famas mais altas se levantaram. Facto raríssimo, a revista “Time” dedicou a capa da sua edição de 6 de Setembro a Damien Hirst com o título “Artist as rock star – Is this the end of art or the start of something new?”.

Com Hirst e Koons (ainda assim, mais com o segundo), a banalidade do “kitsch” recoberta a dourado de cifrões ganha um novo estatuto de luxúria, de construção de um gosto também, com o artista como “pop star”:
A dimensão de tais “fenómenos” é de uma ordem tal que poderá parecer excessivo associar a obra de uma artista portuguesa, Joana Vasconcelos. Todavia no gosto da grande escala e do decorativismo – e decorativismo institucional - que cada vez mais se salienta na sua produção, impera um processo de fazer, certamente muito mais artesanal, mas ainda assim da mesma ordem de produção de uma “assinatura”, senão mesmo de uma “marca”, e seguramente a lógica de edificação própria de uma “pop star”.

A Direcção de Marketimg da EDP SA teve este verão a desgraçada ideia de solicitar a alguns artistas obras para serem colocadas em, ou junto a, monumentos nacionais. O colar com que Joana Vasconcelos “decorou” a Torre de Belém – mas podia-se citar também a manta estendida na Ponte D. Luís no Porto – não exibia outro critério que não fosse a ostentação da luxúria do pechisbeque e da “marca”. O gosto torna-se o da banalidade mesmo que laboriosamente produzida. O que fazia o interesse dos seus trabalhos, sobretudo na escolha de materiais inusitados, materiais por assim dizer “comuns” e de “artefactos”, deu lugar ao folclorismo bacoco em que impera a construção da figura pública e de uma “embalagem artística”, e com essa a figura e “marca” do próprio artista. O mérito de se ter imposto e ganho notoriedade fora dos circuitos instituídos de consagração (pese ainda o Prémio EDP/Novos Artistas em 2000), com uma aguda consciência pessoal e profissional do que pretendia fazer e de como o fazer, esbateu-se na lógica perversa de, hoje, Joana Vasconcelos, prisioneira da sua própria imagem, produzir o que “o público” espera de uma Joana Vasconcelos.

Joana Vasconcelos foi, é, um dos rostos, o único de um artista, da malfadadamente famosa campanha promocional de “Portugal – Europe’s West Coast” Nada de mas certo. Ela combina a possibilidade de difusão internacional com o “typical, very typical”. E mais: essa campanha do Ministério da Economia visa promover uma “marca Portugal” e “marca” é expressão que já entrou tanto nos discursos, no que inclusive toca à arte e cultura, que o ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, já se viu mesmo forçado a negar ter falado em “marca (Fernando) Pessoa”. Por via dos gostos e acção o ministro da Economia e Inovação, Manuel Pinho, a cultura, ou mais exactamente a arte, passaram a ser entendidas também como referentes de “marca” e objecto de estratégia promocional – e forçoso é reconhecer que nenhum outro artista se afigura inscrevível em tal lógica como Joana Vasconcelos.

A possibilidade de, contra as regras instituídas que supõem uma mediação - nomeação de um comissário primeiro, que num segundo momento escolhe um artista como representante do país – Joana Vasconcelos vir a ser directamente escolhida pela Direção-Geral das Artes como artista portuguesa na próxima Bienal de Veneza não é pois assim uma simples questão de rumor – “se non é vero, é ben trovato”, ou seja é uma hipótese admissível, a hipótese de oficialização de uma situação na prática já existente, de ornamento e ostentação assimiláveis na, e por a, esfera oficial.

Não é questão de gosto mas de poder.