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No final de quase cinco décadas de liberdade, quer queiramos ou não, não se pode evitar falar da evolução da crítica de arte contemporânea em Portugal. Existe uma grande narrativa no caso da autonomia da crítica de arte. Simplesmente não é uma narrativa de progresso e liberdade; antes, é uma história retrógrada que conduz a uma forma de organização promíscua, dos mais diversos modos da arte contemporânea! Falo de uma ordem baseada num Sistema (já ouvimos falar bastante sobre o sistema) que destruiu a liberdade natural do pensamento crítico, em proveito de determinada ideologia que submeteu o universo da arte contemporânea ao seu serviço. Antes de abordarmos o sistema, porém, que poderemos realçar da crítica de arte contemporânea que se encontra nesse sistema?

É característico da crítica de arte (familiarizada com o funcionamento do sistema), gerir uma espécie de resignação a uma velha ordem pós-modernista, como uma forma de se conceder uma falsa sensação de segurança. É uma estratégia para se proteger. No entanto, talvez esta história comece a pertencer ao passado - será ela tão vaga e generalizada já ao ponto de ser irrelevante? -, mantendo interesse apenas como revisão histórica ou reflexão para cada um de nós que foi educado com arte: À primeira vista, parecem já estar a desaparecer muitas das dinâmicas organizacionais dos anos 80, sustentadas por um círculo específico.

 

O meu princípio é que, o pós-modernismo é em si o momento em que se deu a transformação de ser artista em Portugal. A década de 80, da entrada na maturidade da geração dos media, reflectiu-se no modelo da arte em geral, de forma que, ao iniciar-se, a nova década, despontou uma atmosfera muito diferente, caracterizada por pragmatismo. A objectividade da arte baseia-se agora no espírito empresarial orientado [pelo neoliberalismo] para uma atenção desmesurada conferida à imagem e às transações comerciais, elementos profundamente alheios, até então, à história de arte particularmente em Portugal. Ao mesmo tempo, surge a vontade do controle da crítica e das instituições de arte, em artistas cuja fama crescia exponencialmente graças a outras ocupações, entre as quais manipular as instituições e os media e a correspondente crítica de arte. Contudo, a geração na base dessa reviravolta era sobretudo formada por discípulos dos artistas conceptuais da década de 60: a geração pós-moderna da década de 80 olhava para a história copiando e citando a arte conceptual, o que é muito diferente de viver com a história de arte. Essa atitude representa uma espécie de reducionismo: Ela deduziu tudo ao mesmo factor, que se impôs — Não nos devia surpreender, portanto, que a arte contemporânea passe a ser vista nos termos do que seria ideal, orientada para acções conceptuais, como nada mais do que o reflexo ideológico do pós-modernismo que se encontra nos hábitos / na base do pensamento dos anos 80. Um pensamento que tende a reduzir a noção de criatividade: o acto de criar passa a ser mais manifestação de uma cópia. 

Em Portugal, Julião Sarmento e Pedro Cabrita Reis, não só se distinguiram do resto do universo artístico por terem adoptado um perfil internacional de gestores de carreira (adoptando uma postura materialista), mas, determinaram e reduziram todo o universo da arte impondo-se como influencers do sistema, por entenderem simplesmente que isso fazia parte do seu trabalho, dando prioridade ao controle das instituições e da crítica, principalmente da crítica dos suplementos semanais de cultura dos jornais generalistas - que decorre dessa necessidade de chamarem a atenção dos media para a sua obra -, nomeadamente o Expresso e o Público, suplementos que na época circunscreviam toda a opinião media neo-intelectual, no sentido de encararem as instituições e a crítica apenas como seus instrumentos. Entendiam o universo da arte apenas como uma razão das suas narrativas e ambições pessoais, cujos juízos morais eram apenas uma questão de o fim justificar os meios. Definiram todo o conceito de crítica de arte, como obediente — privando-a assim da sua autonomia e individualidade. No fim de contas, a obediência tinha que ver com a melhor forma de se aproveitarem da crítica. Foram profetas no sentido de doutrinar e reduzir todo o pensamento crítico a uma única lei para procurarem realizar os seus objectivos, com uma força inexorável (louve-se).

A verdadeira liberdade dos assuntos artísticos foi ignorada a favor de uma determinação completamente ideológica. Antes de mais, reduzia a liberdade da crítica e das instituições a uma condição obediente, uma estratégia que se sobrepôs à ordem natural dos acontecimentos, um discurso que só se suspende pelo tempo e/ou pela morte.

Historicamente educada para ser passiva, a crítica, foi facilmente manipulada para produzir o tipo "certo" de discursos em direcção a um estado de redução obediente. Resulta que temos um único fio condutor que atravessa a história de arte desde os anos 80 aos dias de hoje. — O controle de certo modo paternalista do comportamento da crítica e das instituições como processo de influenciar as mentes para garantir o sucesso artístico! O que significa que um grande número de artistas - dependentes destas circunstâncias históricas em que se encontram -, não aceita ser criticado negativamente! (De uma maneira ou de outra, estes artistas entendem o controle da crítica e das instituições como uma forma de acção intimamente ligada à prosperidade das suas carreiras.) Esta observação nada tem de original: É uma das questões centrais na arte que temos de reflectir e interrogar-nos: a ideia de instituições e de uma crítica "cristalizada" revela-se tentadora para quem quer sentir que ainda controla o tempo para legitimar a sua obra (um enquadramento irracional, rígido e único).

A impossibilidade de reformar um sistema tóxico que sacrifica ideias por ideologia, tem alguma semelhança com a crise que assola a arte contemporânea hoje, onde uma cultura de controle e amizades desmente a diversidade da arte e integração social.
Há mesmo momentos de intimidação: é vulgar haver reações violentas - quem desafiar as narrativas aprovadas é imediatamente descartado-, para criar medo e insegurança à crítica independente com diferentes pontos de vista, sempre que uma personalidade se sente criticada negativamente. Exemplos de retaliação a quem sabe posicionar-se pela sua cabeça não é por si só novidade, foram e continuam a ser correntes na arte. (O mesmo se pode dizer no entretenimento: veja-se o caso da reação autoritária do indiscritível Bruno Nogueira (actor, humorista?, o que seja)... à crítica da actriz São José Lapa... ao seu projecto medíocre do, "Princípio, meio e fim"). Porém, também está em causa a inércia: tal como os petroleiros demoramos muito a mudar o nosso rumo. A inércia é também uma forma de determinismo, priva-nos da liberdade e opinião. É por isso que, sempre, que o Sistema poder pensar [por nós] o mais provável é estarmos a ser manipulados, desincorporados da emoção sensorial e do modo como nos relacionamos com a nossa própria opinião.

Sou pessimista em relação a grande parte do passado, porque este parece representar uma longa e miserável série de modos de controle e intimidação e de obsessões em agradar aos mais influentes. Tudo o que está a acontecer, todas as coisas que somos, ou podemos ser, só pode significar esse facto fundamental, de sermos sujeitos passivos. Assim, o Sistema está sempre a reapropriar-se, não havendo indicação que diga está errado e deve ser modificado. É um fenómeno antigo: está muito além, é um mundo em si mesmo! Ou é aceitável que o comportamento das pessoas seja uma questão regulada por um sistema? Como é possível haver artistas (ou actores, humoristas, o que seja) protegidos cuja escolha reflete dessa maneira os postulados de uma ideologia medíocre que domina? Em que momentos um "Sistema" se torna um problema / obsessão colectiva, e exige revisão? Ao mesmo tempo, quem é responsável pela forma como somos silenciados? Quem carrega essa responsabilidade que põe em causa a qualidade da arte e da cultura? E até que ponto é possível reduzir a ignorância e a a obsessão em agradar ao Sistema?

Quaisquer que sejam as respostas, a estas perguntas, uma coisa é certa: Não acredito que o propósito da arte seja levar-nos a uma conclusão específica, que nos ensine a obedecer. Em vez disso, a cultura é em primeiro lugar agente (aberto à actividade criativa), capaz de nos obrigar a questionarmo-nos para indirectamente fomentar o desconforto do sistema que domina uma certa sociedade. 

Mas, existe com certeza uma pluralidade de artistas na história de arte dos anos 80 que nunca foi reduzida a uma ideologia única e imutável e cuja obra não deriva dos postulados do pós-modernismo. — Gaëtan, é o exemplo precisamente nesse sentido: Negou veementemente um contexto artificial para alimentar a sua obra. (Obra produzida pela mesma razão que um bicho-de-seda. Era uma actividade da sua natureza) Interessou-se exclusivamente pelo trabalho, não pela gestão da carreira. Para Gaëtan, a arte significava uma imagem do trabalho não alienado, e não de um qualquer ideal obscuro a que podemos aspirar. A arte valorizada como um fim em si e não reduzida ao instrumento de outro objectivo! E o que o artista é em primeiro lugar é uma espécie de ser naturalmente livre, não por utilidade social. No entanto a liberdade é algo pela qual tem de trabalhar: É preciso muita energia para se alcançar esse objectivo. Quando nos propomos rever a história, em cada artista, temos de ponderar analisar isto! Com efeito foi a exposição retrospectiva "GAËTAN" na SNBA - um todo artístico sublime -, que constituiu a base da descrição deste texto.

A questão portanto, não é se existe pluralismo na história de arte portuguesa, mas, se existe um padrão / factor predominante que no fim determina a natureza dessa história de arte! (A palavra "determinar" significa literalmente "determinar os limites a".) Se a história de arte não é propriedade daqueles que, tanto no passado como no presente, quiseram e querem impedir o livre arbítrio e o progresso.

Hoje, depois de cinco décadas de liberdade, nós achamos que a nossa história de arte tem sido de alguma forma variada e colorida. No entanto, tem sido uma narrativa muito mais monótona do que parece. Ela tem de facto uma espécie de unidade: mas não uma unidade que nos proporcione qualquer prazer. Basta olhar para o aborrecido e estagnado estado da arte. Em geral os fios que tecem o universo da arte têm sido o controle, a crítica orientada [influenciada] dos suplementos de cultura do Expresso e do público, e da generalidade dos media, a ausência de curiosidade, diversidade e inclusão e o medo. E, embora essas coisas tenham assumido formas muito diferentes, foram elas que até hoje lançaram as fundações da história de arte que conhecemos. É essa ressonância monótona e entristecida, sistemática, que tem dado à história de arte portuguesa muito mais mediocridade do que desejaríamos.

De certo modo, prosseguimos situados no determinismo dos anos 80. 

Eis o que é necessário saber: De onde veio o Sistema? Ou como é que foi produzido? Existe um ângulo pós-modernista para esse Sistema? É possível explicar / conceber um contexto não tanto pelas pessoas, mas como um conjunto de práticas num determinado tipo de sistema? O Sistema significa reduzir o pensamento crítico a uma condição passiva, antes de mais? (A ser uma espécie de folha em branco pronta para receber informações de alguma forma manipuladas para produzirem o tipo "certo" de ideias?) A crítica de arte pode fazer progressos constantes dentro da filosofia de aceitação do sistema? 


A verdadeira imagem do Sistema é o fracasso do presente?


— Há algumas respostas óbvias: O factor único é vantajoso para aqueles que exploram a lógica do funcionamento da arte de maneira a obterem poder e riqueza, pelo que aqueles que parecem estar nas melhores posições para transformar o sistema são ao mesmo tempo os mesmos que mais têm a ganhar com a preservação do status quo! E é isto precisamente o que temos de ver discutido neste momento: A relação da crítica com a história de arte com base no sistema montado a partir dos anos 80. Existe efectivamente um contexto retrógrado pós-moderno. (É preciso ir direito ao verdadeiro problema: A história da crítica influenciada pelo pós-modernismo dos anos oitenta: o controle de tudo, está longe de ser passado.) Infelizmente não desapareceu: grande parte das instituições, dos académicos, dos críticos e dos curadores, ainda vive fascinada com esse sistema congénito pseudo conceptual - há quem mesmo ainda hoje se nomeie minimalista conceptual - que emergiu na década de oitenta; alguns por devoção espiritual outros mais frequentes por interesses em larga escala, sempre há procura de pertencerem ao quadrado fechado da arte. O facto é que se examinarmos os media, a crítica na sua maioria, veremos que a maior parte do que produzem, continua a apoiar e legitimar a ordem prevalecente, sustenta o sistema sem um interesse em derrubá-lo.
(É isso, é Imprensa que tem tendência a equiparar a qualidade dos artistas aos mais falados, que correspondem exactamente aos que nos são recomendados pelo sistema.)

Também não se pode dizer que toda a imprensa, críticos, curadores e instituições como universidades e museus, sustenta o moralismo artístico existente, entendido como uma forma do Sistema fazer juízos morais absolutos que regulam o comportamento de quem dele faz parte. No entanto, se olharmos para a comunidade artística como um todo, percebemos que [de uma maneira geral] a sua crítica da ordem vigente raramente põe em causa a produção dos juízos absolutos (moralidade) estabelecidos na década de 80. A estranheza desconcertante por exemplo é que pouco se tenha examinado - nos anos que decorreram - a qualidade da obra de Pedro Cabrita Reis e Julião Sarmento, olhando de forma mais rigorosa para o que fizeram. (Julgo que foi simplesmente por um tipo de consenso ditatorial e ignorância.) E isso, efectivamente, não é mais do que deveríamos esperar.

De onde veio a obra de Cabrita e Sarmento?! Ou como é que foram produzidas as suas ideias? Seguiram a tendência [pós-moderna] de copiar coisas? A obra de Sarmento e Cabrita é apenas uma máquina de mimese, incapaz de gerar a sua própria originalidade? O pós-modernismo foi escolher o caminho mais fácil? Mas isso não quer dizer que não abracemos ocasionalmente as suas obras! Há momentos em que ela se preocupou em ser original. Os materialistas não são criaturas sem alma. Ou, se o forem, isso não se deve necessariamente ao facto de serem materialistas. (Embora é claro a sua retórica seja uma expressão da sua fraqueza).

O ponto em questão [que me interessa discutir] é a natureza do pensamento que ocorre no Sistema, e não só o facto de esse pensamento aí ocorrer (determinado pelas necessidades de juízos absolutos sobre certos artistas do pós-modernismo, dos chamados "valores conceptuais" de todo um contexto da sua época no qual eles estão inseridos). Ele finge defender uma orientação artística conceptual e uma meritocracia à qual se opõe fundamentalmente na realidade, que cria um paradoxo problemático: Essa dissimulação premeia todo o status quo.

Antes de mais, porque haverá de haver uma necessidade de serem sempre as mesmas pessoas nos centros de decisão? O que devemos dizer é: Não aceito a ideia de que não há mais espaço para esperança: Não podemos acreditar em leis fixas da história que nenhuma ação humana é capaz de resistir —  o modelo base mais provável para a nossa relutância em acolher a mudança é provavelmente a falta de uma visão clara do que poderá ser a alternativa. É a superstrutura do nosso Sistema, não a nossa natureza, que nos transforma naquilo que somos; e, uma vez que a história é feita de mudanças, podemos transformar-nos alterando as nossas condições históricas. Seja o que o Sistema signifique, não gira certamente em torno da questão do que o pensamento crítico é feito. Antes, contraria a filosofia que a crítica tem de partir da premissa de que todo o nosso pensamento crítico se forma no processo de viver a arte, é um sujeito activo que rompe o cenário do sujeito humano passivo. 

O tempo esse grande escultor, faz parte da evolução da história da arte: A história tradicionalmente está sempre a reinterpretar-se (faz parte da dinâmica do tempo, da mudança). O objecto do nosso conhecimento não deve ser algo fixo e determinado: o mais provável é que seja o produto da nossa própria actividade histórica. Acontece que os cenários desabam: A história é uma espécie de dispositivo de enquadramento, mas é fluida e não definitiva. Decisões e conceitos antigos da história não nos servem agora necessariamente tão bem.

Não se trata de negar nada, é acrescentar. Trazer algo mais para a história. Uma forma de vermos a história de arte contemporânea em acção é olharmos de uma maneira diferente para a década de 80. Cinco décadas depois desse domínio pós-modernista, a dominação perdura porque não consegue submergir uma alternativa capaz de se emancipar. De qualquer forma, o reino do Sistema permanece forte enquanto o organismo vivo da arte contemporânea está sem fôlego. Se não formos capazes de olhar para a forma como a história de arte se investiga, esquecemo-nos de pensar na história por trás da nossa arte, muito menos quando envolve a ideologia do Sistema.


A mensagem é: se isso continuar, estamos condenados. Não me ocorre pensar que tal discussão não se possa fazer: Enfim, é possível fazer isso agora, de forma radical e, talvez vinte anos atrás, não fosse possível fazer, pelo menos não desta forma informada pelas discussões e revisões que aconteceram entretanto lá fora. Desfazer e refazer o enigma da qualidade de determinados artistas dos anos 80, reverter o fascínio dessa narrativa sombria a favor dos artistas materialistas que não vivem com a história, mas olham para a história copiando a história. Raramente somos relembrados disto! (Os anos 60 e 70 já tomaram o seu lugar, estão devidamente revistos em relação ao tempo.) 


E o que mudaria por exemplo no universo da arte contemporânea portuguesa se derrubássemos a ordem que ocorreu através do pós-modernismo e ainda mais especificamente desvalorizássemos o prestígio e o glamour de determinados artistas capitais dos anos 80 tais como os conhecemos? — A resposta fácil é... que o passado não deve ser discutido /revertido... esta discussão não deve ser oferecida. Mas, não há nada de errado na nossa história de arte contemporânea para começarmos a corrigir? (Agora é muito tarde para removermos muita da escultura urbana contemporânea indiscritível e, a cada ano pior, ordenada por autarcas ignorantes?) Ainda que pareça longe de ser aceitável? (E por essa razão afecta todo o resto; talvez ninguém lhes tenha dito.) É uma pergunta que faço a mim mesmo mas também uma pergunta que estou a fazer ao leitor que ainda não olhou bem à sua volta. — No entanto, uma nova ordem pode surgir, que permita uma ideia de esperança: A resposta numa palavra é que podemos livrar-nos do actual conceito de Sistema que reduz tudo às mesmas pessoas. É uma forma de determinismo artístico: todas as coisas são vistas como nada mais do que reflexos de certos artistas ou influentes. A verdadeira complexidade da arte é ignorada a favor de uma visão monocromática da história, na sua obsessão com as mesmas pessoas. O seu pensamento não se coaduna com a visão pluralista da arte contemporânea. Antes, precisamos de construir um sistema contemporâneo, como melhor forma de proporcionar um futuro diferente e melhor para todos. (Um sistema que nos permita o prazer de ter êxitos, sem impedir os êxitos dos outros e, precisamente por esse motivo, nos liga a tudo o que cresce, voa ou desliza.) A ética também tem de envolver a arte. Ética, para a arte, um pouco como a virtude para Aristóteles, não é uma questão de sabermos como nos estamos a sentir, mas daquilo que estamos a fazer.

 

 

victor pinto da fonseca 

 


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Notas:

Para o contextualizar o texto consultei,
[1] "Porque é que MARX tinha razão", Terry Eagleton, Edições 70 (março de 2021)
[2] "O Tempo, Esse Grande Escultor", Marguerite Yourcenar, Relógio D'Água (junho de 2020)