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JOANA TAYA

ADRIANO MIXINGE


27/07/2019 

 

 

Coincidi, pela primeira vez, com a Joana Taya na Vª Edição do Fuck`in Globo (2018), onde ela participou pintando um dos quartos do hotel, na cidade de Luanda. Mas foi depois de ver que um dos quadros da sua exposição “Partículas Encantadas” (2019), que é, ao que me parece, uma prolongação da atmosfera criada entre aquelas quatro paredes, que decidi, definitivamente, que seria interessante saber como ela gere o seu processo criativo, o que lhe vai na cabeça, como vê o mundo.
Na entrevista que se segue, Joana Taya debita uma série de ideias, conta-nos como tudo começou e, inclusive, fala ou evoca questões da actualidade. A nossa conversa permite criar uma ideia do artista angolano que vive na diáspora e tenta, desde uma perspectiva dita universalista, falar ao minúsculo individuo que há em cada um de nós.

 


Por Adriano Mixinge

 


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Adriano Mixinge (A.M.): Quando, onde e em que circunstâncias descobriu que a arte lhe interessava tanto como lhe interessa a vida? Como foi que iniciou a tua relação com as artes visuais e plásticas?

Joana Taya (J.T.): Foi sempre uma coisa muito espontânea, muito orgânica, desde miúda. Eu não tenho assim uma data ou época fixa, só me lembro que desde criança sempre desenhei, sempre fiz esculturas e estive muito envolvida nas artes, nos projectos de artes.


A.M: Mas tinhas algum familiar que se dedicava às artes?

J.T: Não. A minha mãe, por acaso, desenha muito bem. Mas não era uma pessoa que eu visse a desenhar. Só me lembro de ver desenhos da minha mãe, mas não a via a fazê-los.
Se calhar também porque eu andei no ballet muitos anos e isso, talvez, pôs-me no mundo da arte: comecei logo desde os seis anos no ballet na Academia de Dança, aqui de Luanda. E depois desenhava muito e sempre tive inclinação, sempre quis ser artista.


A.M: Fizeste ballet com a coreógrafa Ana Clara Guerra Marques?

J.T: Exacto! Fui para lá quando tinha sete anos (antes vivia em Benguela, vim de Benguela para Luanda). Fiquei a fazer ballet com uma rotina que já não me lembro, mas acho que era quase todos os dias. Eu vivia naquele ambiente.


A.M: No ballet as pessoas vestem quase sempre de cores planas, porquê?…

J.T: Por acaso a Clara é uma pessoa muito criativa. Nós trabalhávamos para peças para o fim do ano e tínhamos vários papéis, várias indumentárias. A música e o cenário eram diferentes.


A.M: Faziam também de figurinistas? Vocês é que faziam os cenários?

J.T: Não fazíamos tanto os cenários, mas a Clara criava sempre uma história, havia um conceito. Eu nunca tinha pensado nisso, mas talvez isso também me tenha influenciado.


A.M: Porque o modo como utilizas as cores, as linhas e as formas na tua obra chamam demasiadamente a atenção. Na verdade, a pergunta que me ocorreu, tão logo eu vi a tua pintura, foi questionar-te qual o lugar que as outras cores ocupam – em oposição e ou complementaridade ao preto e ao branco e às cores neutras – no conjunto da tua obra artística como desenhadora gráfica e como designer?

J.T: Eu gosto muito de contraste. O desenho gráfico é, sem dúvidas, a minha base e eu adoro e foi o meu treino. Porque eu não tenho formação em pintura, sou autodidacta. E no mundo do desenho gráfico há muito contraste, equilíbrio, texto, mensagem, que é a parte de designer e comunicação visual. Eu adoro cores e se calhar a minha ligação com África faz-se através das cores.


A.M: Onde é que nasceste?

J.T: Eu nasci em Benguela, concretamente no Lobito. Sempre estudei muito as tribos africanas, as cores, a tradição.


A.M: Isso já estando fora de Angola? Ou desde sempre?

J.T: Quando fui para fora comecei a investigar. Quanto mais norte ia, mais ao sul ia no coração. Fui investigando. Comecei à procura de uma identidade e via muita inspiração nas artes e nas culturas de África, não só as de Angola. As cores, as tintas, os padrões e esses contrastes. A natureza também tem muitos contrastes.


A.M: No outro dia, no dia da vernissage da tua exposição “Partículas Encantadas”, gostei muito da maneira como estavas vestida, e só tinhas, basicamente, um pano amarrado, nem sequer um vestido era. E, então, talvez isto demonstre, uma vez mais, a tua relação com a arte e a vestimenta das culturas regionais angolanas e africanas, em geral.

J.T: Sim! Eu considero-me uma pessoa eclética. Tenho a minha raiz africana, mas viajei muito pela Europa. Adoro a Índia, adoro a China, adoro as misturas, adoro essa riqueza dos humanos e as comidas, a natureza, os insectos. Adoro estas misturas e então celebro muito isto, na maneira como visto e no trabalho que faço. O meu trabalho tem influências de todos os continentes: a minha raiz é de Angola, porque eu sou angolana, mas eu não sinto que pertença… que seja só africana.
Mas a cores sim, são a minha base.


A.M: Por outro lado, também, esta ideia da identidade como algo essencialista e puro é uma ideia ultrapassada. Nunca correspondeu com a realidade, e agora muito menos. O mundo mudou tanto que não faz sentido, nem sequer continuarmos com esta coisa redundante de entender a identidade como algo essencialista.

J.T: Exacto! Eu sou dessa opinião, também. Porque eu durante muitos anos procurei uma identidade. Foi uma fase necessária, para perceber que é uma coisa fictícia, uma coisa desnecessária, que é uma perda de tempo. De facto, é uma pressão que, por vezes, a sociedade nos faz como mulher, como pessoa, como artista, e eu cheguei à conclusão que isto não faz sentido nenhum.


A.M: Eu concordo plenamente contigo.

J.T: Isto não existe: a gente é o que é hoje, mas, amanhã eu posso mudar de opinião. Eu sou uma mistura de tudo. Sou o que os outros vêem, não sou somente o que eu acho. A minha mente também me desafia, nem tudo o que eu penso é verdade. Quer dizer…


A.M: Essa questão nos leva a uma ideia cliché que associa as cores aos géneros como se, nessa lógica, houvesse uma diferenciação sexual delas ou elas pudessem ser reflexo de um lado masculino e de outro feminino. Acha que a liberdade cromática é, também, uma forma de libertação social e estética? Como é que tu encaras este assunto?

J.T: Eu acho que é muito pessoal, depende da maneira como eu vejo o mundo. Nós podemos todos olhar para uma mesma porta, mas toda gente vê aquela porta de um modo diferente. Aliás, neste aspecto sou muito neutra: as minhas figuras não são nem homem, nem mulher. As pessoas dizem que é homem ou é mulher e eu não corrijo ninguém.


A.M: Não é tua intenção distingui-las.

J.T: A minha intenção é a de representar o que está por trás, a essência. Não é o género, nem a cor, nem a raça: eu posso encontrar beleza nas cores escuras da pele, mas é tudo com uma intenção estética. Estou mais preocupada com os elementos da obra que ajudam a criar uma mensagem de harmonia, ou de união, qualquer tipo de desafio, de pensamento.


A.M: Tenho a impressão que a tua obra está feita de eixos e dualidades. O homem e o universo, a natureza e a cidade, a solidão e a vida em comunidade, o nós e os outros, o lado negro africano e o ímpeto universalista e, talvez, esteja de encontro com o que acabas de dizer?

J.T: Exacto, eu sou mesmo isso. E eu também sou daquela opinião de que na minha opinião eu mudo de opinião. Eu não sou fixa em nada. Sou livre assim: há que ter a liberdade de aprender com os outros, de mudar de opinião. Não sou orgulhosa ao ponto de manter uma opinião, um pensamento, uma só cor. Eu hoje estou a fazer este tipo de trabalho, mas amanhã, se calhar, apetece-me e estarei a fazer outra coisa.
E tenho que ser autêntica comigo mesmo e acho que as pessoas deveriam ser todas assim.


A.M: Ter uma ideia fixa, em realidade, é como estar enrocado e o mundo move-se tanto e as circunstâncias mudam tanto que não vale muito a pena se fixar num pau a arder, quando na verdade, as circunstâncias são outras, não são nem sequer aquelas que uma pessoa, a priori, pensa.

J.L: E às vezes, na verdade, a realidade é banal. Porque nós é que estamos a criar, ou a dar importância às coisas que não a têm. Na realidade, o nosso universo, o nosso materialismo - eu sou parte deste universo, não estou a negar que sou -, só estou a dizer que mentalmente, nós também criamos uma perspectiva dando importância ao que não é importante. É aquela questão do “Absurdismo fantástico”, a que me referi na exposição passada.


A.M: Por sinal, a exposição que realizaste no Memorial Dr. António Agostinho Neto.

J.T: Exacto! Tem a ver com isso, nós damos importância. Eu, às vezes, reparo nestes detalhes do dia-a-dia, em que nós compramos coisas e que são coisas que são banais.


A.M: Falando do teu dia-a-dia. Se tivesses que descrever a tua rotina dentro do atelier, em dias de criação intensa, da tela em branco às telas coloridas e acabadas, como a descreverias? A criação artística deve ser, para ti, um acto íntimo ou prefere que seja participativo ou interactivo?

J.T: Eu, por acaso, sou um bocado anti-social. Entro no meu núcleo, gosto de estar sozinha. Sou uma pessoa que passa muito tempo sozinha. Estou sempre a reflectir, gosto de analisar as coisas. Mas tenho sempre uma fase de pesquisa. Sou uma pessoa que infelizmente – eu acho que é infelizmente- é muito pensativa e tenho que me forçar, meditar.


A.M: Eu acho que é “felizmente”...

J.T: Sim! Mas, não é bom estar sempre a pensar. Também é bom, às vezes, te sentires só e não a pensar. E…eu faço meditação também para ver se há um equilíbrio. Porque depois cria regularidade, cria foco. Temos pensamentos que não são necessários e quando uma pessoa pinta tende a viajar um bocadinho, a mente viaja muito.


A.M: Tu preferes a solidão?

J.T: Gosto. Adoro a solidão.


A.M: Quer dizer, então, que para ti a criação é um acto íntimo?

J.T: Sim. Oiço música, oiço muitas palestras, dá-me tempo de reflectir, dá-me muita paz.


A.M: Sabe que a ideia de lugar não é somente o lugar em que estamos. O lugar tem a ver com aquilo que lemos e com aquilo que pensamos. Mas, na criação, os lugares a partir de onde falamos, vivemos e ou criamos, ajudam a questionar, configurar, imaginar e ou reflexionar, nos fazem pensar. Tens lugares predilectos? Desde onde é que nos fala/ou nos pinta?

J.T: Eu oiço muita música.


A.M: Que géneros?

JT: Vario. Às vezes oiço muito Reggae, música electrónica mais calma. Música calma, em geral. Eu vario muito de música, mas oiço as letras.


A.M: Enquanto estiveres a…

J.T: Estou a trabalhar, estou a pensar, estou a reflectir, mas também estou a ouvir. Na música há muita poesia, há muito ensinamento. E gosto de situações do género de quando estou a andar de comboio. Quando estou no comboio adoro reflectir, observar, vêm muitas ideias. E também gosto de ler.


A.M: E o que é que fazes, cadernos de viagens? Fazes esboços? Cadernetas de anotações?

J.T: Gosto de observar as pessoas e depois aponto tudo em frases. Gosto de anotar frases e oiço o que é que as pessoas estão a falar. Gosto de observar. Eu adoro, em Luanda, estar a ver o que é que as pessoas estão a fazer, o que é que me fazem. Isso inspira-me muito e faz-me reflectir muito.
E depois, pronto, também gosto da natureza. Gosto de ler. Vou para a praia. Observo - eu gosto muito de observar as pessoas. Vou para o café e fico a observar as pessoas e penso, e às vezes rio-me, porque digo, mas isto aqui não é importante. Começo a fazer críticas, pensamentos e isso ajuda a criar conceitos.


A.M: Ser boa observadora permitir-te-ia, também, dedicar-te à escrita se um dia quisesses…

J.T: Sim, escrevo algumas coisas. Mais para cada colecção, cada uma delas, tem um texto, sempre.


A.M: Por isso, talvez, deveria perguntar: no fundo, por detrás de todo artista há sempre um projecto estético, uma série de problemáticas, gostos e obsessões que o incitam a criar, irresistivelmente. Que problemáticas e obsessões é que subjazem às últimas séries de pinturas que fizeste?

J.T: Estou a ter uma evolução: estou a aprender como e em quê me sinto confortável a trabalhar. Agora comecei a fazer estas colecções, dentro das quais há várias peças. Mas antes eu não trabalhava assim. Eu trabalhava mais peça por peça, cada peça era uma história, mas era mais do tema da natureza versus o humano. Porque é um tema que eu gosto de tratar. Eu gosto de histórias.


A.M: Normalmente, tu estás atenta ao panorama da arte angolana contemporânea de quem te considerarias herdeira, uma espécie de consequência? Com as obras com quem a tua obra dialoga, quer seja um artista do mundo, nem que não seja angolano? Em que histórias participas? Quais são as tuas principais referências artísticas?

J.T: Tenho muitos artistas angolanos que eu adoro, mas em termos de influência há um artista, o Carlos Pais. É um amigo, é padrinho de um dos meus irmãos. É uma pessoa que eu conheço. Aliás, tenho uma pintura dele no meu quarto e eu acordo todos os dias ver aquela pintura. É uma pessoa que eu admiro muito. Mas acho que é um bocado diferente.


A.M: Na Holanda está o Mondrian. Deves ter visto vários Mondrians.

J.T: Ah, sim!


A.M: Deves ter visto quadros de Mondrian, diariamente. Porque vendo bem, os teus quadros são superfícies planas, cores…

J.T: E eu estudei o Modernismo todo. Na altura a minha época favorita era o Dadaísmo. E eu passei uma fase em que estudei e ensinei sobre o Dadaísmo. Especializei-me em tipografia e até fiz um projecto de tipografia expressiva, de letras como imagem. Então vivia num mundo muito específico. E depois é que saí e tive um professor que me desafiou e me abanou. As minhas referências eram de desenho gráfico.


A.M: Sobretudo de desenho gráfico?

JT: Sim! Mas, em Angola, eu adoro muitos artistas.


A.M: De todas as formas, chegamos às “Partículas encantadas”, que é o título da tua última exposição que acaba de inaugurar em Luanda. Eu, talvez, perguntaria sobre o impacto da tua obra cá, em Luanda, e da forma como tu vês que ela é recebida. O que pensas sobre o circuito de arte aqui? Como é que tu vês isso? Quais são aqueles que consideras os pontos mais fracos e os pontos mais fortes do circuito? Não propriamente para te queixares, eu quero é saber o teu ponto de vista.

JT: A arte, em Angola, está muito forte. Nós estamos todos a inspirar-nos uns com os outros, eu acho. Eu ainda ontem estive com os “Verkron” e adoro-os. Estamos a inspirar-nos uns aos outros, há muita coisa que está a ser feita, há muitas coisas a acontecer. E, pronto, estamos no caminho certo, estamos a nos desprender daquilo que pensamos que deveríamos ser, estamos só a ser, agora, finalmente. É um alívio. Estamos a educar, a educarmo-nos a nós próprios e a mostrar aos outros que ser África é muita coisa. Não é só imbondeiros.


A.M: Não é só…

JT/AM: Máscaras!
JT: E isso para mim está-se a tornar, Angola e África…


A.M: Angola e o mundo estão a transformar-se muito rapidamente. Na verdade, calma e tranquilidade, caos e vertigem andam de mãos dadas. Quais são os seus próximos projectos?

JT: Eu já tenho um projecto, uma frase para a próxima exposição. Estou a trabalhar no conceito e agora vou desenvolvê-lo.


A.M: Qual é a frase, já agora, diz lá qual é?

J.T: Está em inglês. Foi uma frase que eu ouvi um curador a dizer, numa conversa. Ele disse aquela frase que para mim fez tanto sentido e faz-me querer usar a frase e desenvolver. Que é… [frase omitida a pedido da artista].
Ainda nem fiz a correcta tradução ao português. Tenho que traduzir melhor. Eu gosto de dizer aos meus filhos que “as palavras são como balas”, não abusem delas. Irei, talvez, utilizar um pouco mais de tipografia, não sei bem, vamos ver o que vai acontecer.
Vou viajar e vou deixar em aberto. Vou para Singapura, Bali, Vietname, durante um mês, em férias, mas, sempre a trabalhar. Gostaria de fazer mais murais. No ano passado fiz alguns, mas agora descobri que gosto e tenho mais liberdade ali. Os murais são como as tatuagens e isso está a deixar-me muito curiosa. Em Luanda há muitos murais, mas quero mesmo entendê-los como se fossem umas telas, mas nas paredes.