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FILIPE CORTEZ
SéRGIO PARREIRA
31/05/2017
Licenciado em Artes Plásticas na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, onde terminou também um mestrado em pintura, Filipe Cortez recebeu em 2011 a primeira bolsa de pintura do Rotary Club Portugal e dois anos mais tarde foi seleccionado para o 9.º Prémio Amadeo de Souza-Cardoso. Foi uma residência artística em Nova Iorque, na RU (Residency Unlimited) durante 6 meses, que iniciou um percurso internacional de exposições, levando o artista a dividir o seu tempo entre Portugal e Nova Iorque.
Por Sérgio Parreira
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SP: Não sei se contei bem, mas nos últimos três anos fizeste sete exposições individuais e 3 coletivas em Nova Iorque, e em Portugal apenas 3, que não é propriamente apenas… mas menos. Antes de falarmos do teu trabalho visual, queres explicar-me como é que isto acontece?
FC: Tudo começou a partir de uma residência artística na RU (Residency Unlimited), durante 6 meses, onde comecei os primeiros contactos para vários destes projetos. Logo nesta fase, consegui uma série de exposições, coletivas a individuais. Depois tenho tido a sorte de após cada exposição alguém me convidar para novos projetos.
Costumo dizer que Nova Iorque (NY) é mais fácil do que Portugal para expor, embora a concorrência seja superior, existem também mais espaços para exibir o trabalho, desde os sem fins lucrativos (non-profit), às galerias pop-up (espaços que abrem temporariamente, alguns dias apenas) e as ditas comerciais.
Ao mesmo tempo, tenho a sorte de não olhar para NY com o intuito de vendas, logo fujo da regra, criando trabalho não destinado à venda. Numa cidade em que os artistas tentam sobreviver à loucura dos preços, caem muitas vezes no erro de produzir algo mais vendável, do que realmente poderiam ou gostariam de fazer. Acho que isto é um dos pontos que mais tem sobressaído do meu trabalho, atraindo novos convites.
Do lado de cá, julgo que as coisas ainda estão muito ligadas ao círculo de pessoas com quem convivemos, e se andarmos fora desse circuito, dificilmente aparecem convites.
SP: Por que dizes que, de certa forma, o teu trabalho não é vendável? Eu vi esta tua última exposição no AC Institute e consigo imaginar alguma relutância, no entanto, e creio que dentro do mesmo conceito, na tua exposição em Taipei tinhas algumas obras de parede (num suporte mais convencional), assim como as tuas obras em latex (que pessoalmente acho muito interessantes) que me parecem facilmente comercializáveis. Queres falar um pouco destes trabalhos? E em termos comerciais como correram estes projetos?
FC: Vendável é tudo! Basta termos a pessoa certa ao nosso lado. Em Taipei tive a sorte de estar a trabalhar com uma das melhores galerias do país, se não a melhor.
A exposição correu muito bem, vendi grande parte da exposição, e no último dia fui surpreendido por dois colecionadores, também diretores de uma galeria em Hong Kong (HK), que querem adquirir a instalação principal da exposição em Taipei (que esteve este Maio em Nova Iorque). Para além disso, os mesmos, têm mostrado interesse em trabalhar comigo, estando a ser falado um projeto para o próximo ano ou 2019 em Hong Kong.
Foi fácil perceber o porquê das grandes galerias mundiais se estarem a virar para o colecionador asiático. Dinheiro não é questão. Embora o colecionador asiático esteja mais interessado no seu mercado e também nos grandes nomes da arte mundial, eu consegui vender bastante bem.
Para além de HK, deverá acontecer um outro projeto em Taipei no próximo ano.
Nova Iorque é uma cidade e mercado muito complexo. Para lá das grandes marcas/galerias (ex: David Zwirner, Perrotin, Gagosian, Paula Cooper...), as outras tentam sobreviver como os artistas. As rendas dos espaços são caríssimas, e não se vende como se pensa. Artistas com a minha idade têm preços altíssimos, sendo quase impossível para mim entrar no mercado das galerias comerciais. Ou esqueço Portugal e subo os meus preços para o seu mercado, ou continuo a apresentar trabalho em espaços non-profit.
Falamos de um mundo onde podemos encontrar obras de artistas vivos a rondar o milhão de dólares, e onde um artista emergente apresenta preços ao nível dos grandes nomes da arte portuguesa. Tem sido uma grande jornada estes últimos 3 anos, cresci muito e percebi o quão complexo é este mundo da arte. Nesta última exposição em NY, existiu um interesse em algumas peças, mas continuo a aguardar a decisão dos colecionadores de HK.
Tirando estas grandes produções em látex ou silicone apresentadas no último ano, as anteriores não foram de todo vendáveis. Depois tenho a parte mais convencional como a pintura sobre tela, em que destas está quase tudo vendido, mas faço por não cair na tentação de apenas ter este tipo de trabalho, limitando-me a uma dúzia de telas por ano.
SP: E curioso ouvir-te falar. És extremamente jovem (31) e tens um discurso super consciente acerca do mercado da arte. Achas que os artistas visuais da tua geração, que pretendem ter uma carreira mais internacional (ou mesmo que somente nacional), têm que estar permanentemente atualizados com as tendências do mercado? E ainda neste campo; esta consciência do mercado que estas a demonstrar, por vezes, e eventualmente muitas das vezes, nunca chega a existir em muitos artistas. Achas que é um requisito para vingar na profissão? (Um aparte: sim, porque ser artista quer se queira ou não olhar dessa forma, é uma profissão como outra qualquer. Trabalha-se, tem-se uma expectativa em termos de rendimentos, e tenta-se sobreviver e pagar as contas com esses rendimentos. Certo?).
FC: Sim, tenho 31 anos. Posso dizer que aprendi mais em 3 anos fora, do que todos os anos de formação que tive em Portugal. Acho que quando estamos num mercado como o da arte é importante perceber como as coisas funcionam. Sem conhecimento, pensamos que tudo o que é grandes mercados (exemplo de NY) é um mar de rosas, mas não. É importante ir a feiras, falar com galeristas, artistas, e colecionadores. Perceber o que os mercados procuram, mas sem te deixares influenciar por isso.
Um dos grandes problemas de NY e dos artistas que nela vivem, é como mudam o seu trabalho consoante as tendências, perdendo um pouco o seu próprio dicionário, andando atrás do que vende ou do que se expõe no momento. Chega a um ponto em que não percebes o que é que aquele artista realmente trabalha ou qual a sua linguagem. Isso é uma das vantagens de viver entre fora e dentro de Portugal, quando estás lá fora vês tudo o que se passa e como as coisas se estão a desenvolver, depois voltas à base e exploras o teu trabalho, levando-o ao limite e já com aquilo que te influenciou nas últimas viagens.
Se estiveres a tentar acompanhar as tendências percebes que quando tens o novo trabalho, a tendência já esta a mudar de novo e perdes toda a consistência da tua obra.
Claro que qualquer artista quer viver da sua obra, mas ao mesmo tempo não devemos ter pressa para que isso aconteça. Costumo dizer que vou viver da arte a partir dos 40, até lá é maioritariamente investimento a custo pessoal. Atenção que não sou rico. Trabalho mais de 12 horas por dia num restaurante de família no Porto, e poupo durante 3 meses o que gasto num mês em NY.
Taipei foi a primeira vez que voltei do exterior com lucros.
Estou no fundo a investir numa carreira e mercado, como pessoas investem na bolsa. Temos um mercado muito pequeno, e não é de todo positivo vender muita obra cedo, pois mais tarde, vários desses colecionadores já têm a tua obra e não te compram mais nada.
Daí, e por agora, estar a trabalhar mais no exterior e a aguardar por Portugal para quando algo estimulante surgir; naturalmente sempre aberto e recetivo a propostas e oportunidades independentemente do local.
SP: E ainda, sobre esta lógica de mercado, já explicas-te um pouco, mas gostava que aprofundasses mais, como é que o mercado da arte influência a tua produção artística? Pois, na lógica de que a tua profissão é a criação artística, se não estás a vender, como podes limitar a produção de objetos que eventualmente são mais vendáveis, telas ou outras produções que provaram ter sucesso a esse nível?
FC: Tento não me deixar influenciar pelo que vende do meu trabalho. Costumo dizer que tudo se vende, basta o mercado certo. Por isso, foco-me em fazer o trabalho que quero e que me fascina, aquilo que me preenche, e um dia esse trabalho será considerado comercial. Se fazes projetos experimentais e pinturas para sobreviver deixas de ser convidado a apresentar instalações, e o que interessa são as telas porque se vendem.
O mercado da arte é sem dúvida algo bem complexo. Aquilo que faço tem de ter um propósito, e não é o de fazer dinheiro que está em primeiro lugar. Com o tempo começo a perceber como conciliar ambos os sectores, o do espetáculo e o da venda (exemplo da exposição em Taipei), conseguindo juntar aquelas que são as minhas preocupações conceptuais e técnicas com aquilo que se torna mais atrativo para alguém que coleciona.
SP: Onde consideras que estás neste momento em termos “plásticos”, ou melhor, o que estás a fazer / produzir agora? Tens um atelier? Porque se trabalhas doze horas por dia num outro local, quando produzes “arte”? Ou como desenvolves os teus projetos?
FC: Em termos plásticos... Defino-me logo de princípio como artista plástico, sem dar preferência à pintura ou escultura ou mesmo à instalação. Mesmo que a minha formação seja de pintura, e embora parta sempre para o trabalho com uma visão bidimensional, o meu trabalho tem explorado cada vez mais o tridimensional.
Nos últimos anos tenho vindo a desenvolver trabalho em volta da memória das cidades. Uma espécie de arqueologia do desaparecimento, ou aquilo que vai desaparecer; explorando edifícios abandonados ou bastante degradados, faço um congelar da memória destes espaços, recorrendo a diversas formas de casting (moldes feitos de materiais como látex, silicone e resinas a partir de paredes ou detalhes de diversos espaços ou objectos).
Numa época em que vivemos focados no futuro, acho importante preservar algum do nosso passado. Com os olhos na evolução mas sem esquecer aquilo que já foi feito, uma espécie de prevenção para que não se caia nos mesmo erros. As cidades são um espelho dessa nossa evolução.
Porto e Lisboa, por exemplo, estão neste momento a atravessar uma grande mudança. O turismo tem crescido em ambas as cidades, e o preço da habitação tem disparado para valores que não são comportáveis para os verdadeiros habitantes destas cidades. Corremos o risco de tornar a cidade numa espécie de bibelô, perdendo toda a sua essência, gente e costumes.
Nas cidades por onde passei na Ásia (à exceção de Macau), não existe qualquer conservação de edifícios históricos; para além dos templos, pouquíssimas são as habitações centenárias. Tudo é destruído e substituído por uma nova construção, moderna e luxuosa.
A definição de passado ou antigo, património ou relíquia, varia de continente para continente.
O meu trabalho cria, no fundo, um fantasma ou último testemunho de um edifício que está prestes a desaparecer. Entre peles, carimbos e objetos, o edifício é imortalizado. A memória do espaço é contida nestas peças, e resulta como um último arquivo do que lá aconteceu ou existiu. Será para mim muito interessante regressar daqui a 5 ou 10 anos aos locais onde produzi trabalho, ver o que existe nesse momento, e perceber o que desapareceu.
Trata-se de uma produção em volta do site-specific. Mesmo assim tenho um atelier no Porto, e conto em breve ter um em Lisboa.
Quanto às horas para a produção, dividem-se por todos os intervalos que tenho do restaurante. Antes dos almoços, na pausa da tarde, e muitas vezes depois dos jantares. O trabalho é pensado durante todo o dia, mas nas horas vagas é executado. Tenho alguma facilidade de produção e rapidez no processo (a exposição de Taipei, por exemplo, foi executada em 3 semanas).
Quando consigo residências artísticas, foco-me 24h no pensamento e produção do meu trabalho. São, sem dúvida, excelentes plataformas para o crescimento da minha prática.
SP: Tens de certa maneira definido um conceito por trás da concretização de objetos, uma “memória das cidades” ou “arqueologia do desaparecimento”. Acreditas que este é um conceito para te acompanhar indefinidamente ou também ele faz parte de uma evolução natural que pode mudar? Ainda no seguimento desta ideia; achas que vais passar por fases ou períodos artísticos em termos conceptuais, ou o conceito é imutável e a execução plástica, essa sim, sofre mutações?
FC: Um artista é como uma esponja que absorve tudo aquilo que o rodeia, e o faz pensar por si sobre vários assuntos. Desta forma, acredito que o trabalho faz parte de uma evolução natural das coisas. Tanto a obra plástica, técnica ou conceptual irão estar suscetíveis a mudanças. As viagens alimentam-me com novas teorias e imagens, e isso será visível ao longo dos anos.
Pelo menos, penso assim. Se pensar no que produzi e pensei à 3 anos atrás, hoje já vejo diversas modificações e diferentes formas de pensar.
SP: Achas que o artista plástico tem uma responsabilidade social e, eu diria conceptual, e educacional, seja ela ao nível mais local, ou universal (histórico e de evolução), ou consideras que o artista apenas tem que ser um criativo “desinteressado”?
FC: Acho que cabe ao artista levantar questões. Eu não quero responder ao assunto de como devem as cidades evoluir, se devem demolir os seus edifícios mais antigos ou não. O meu trabalho não é sobre dar uma resposta, mas sim despoletar um pensamento, um interesse e uma discussão sobre estes assuntos. Daí achar que cabe ao artista ter uma quota-parte de responsabilidade social, elevando através do seu trabalho ou conceito, questões e discussões sobre determinados assuntos. Aquele que vive fechado sobre o seu trabalho, acaba por tornar o mesmo inacessível ao público.
SP: E em termos estéticos. Achas que o artista deve ter uma “responsabilidade estética”? De não repetição, explorar novos meios e técnicas, em último caso descobrir novas formas de expressão plástica e artística?
FC: Acho importante o artista manter uma certa linguagem estética. Mesmo que o trabalho vá sofrendo alterações/evoluções, é importante conseguirmos associar o trabalho ao artista. Deve existir algo na sua produção que nos remeta para o autor.
Não gostava de ver o meu trabalho daqui a 20 ou 30 anos a ser igual ao que faço hoje; mas ao mesmo tempo gostaria que quem visse o trabalho daqui a 30 anos percebesse a evolução das técnicas e da minha estética, e que entendesse o caminho que levou o trabalho à sua metamorfose formal.
Estou sempre a experimentar novos materiais nos moldes que faço de objetos ou casas, daí não me admirar que as modificações aconteçam. Com o evoluir dos tempos novas matérias-primas irão aparecer e a sua utilização fará eventualmente sentido no meu trabalho.
SP: Quando vai ser a tua próxima exposição em Portugal, onde, e o que pode o espetador esperar?
FC: Para já não existe nada marcado para Portugal. Existe sim, projetos para Taipei, Hong Kong e Nova Iorque em 2018.
Quanto ao que se poderá esperar em Portugal, o ideal é que venha primeiro um convite de exposição, e depois tudo se desenvolverá em torno do espaço para o mesmo.