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SNAPSHOT. NO ATELIER DE...










Jardim Ultravioleta, Still, Rodrigo Gomes.











Flatland (2018), Rodrigo Gomes.





Photoshopped Kim Jung Un.




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RODRIGO GOMES

CATARINA REAL


 

 

Rodrigo Gomes (Faro, 1991) é licenciado em Escultura pela Universidade de Évora, pós-graduado em Arte Sonora e mestre em Multimédia pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. É um jovem artista que tem tomado alguma notoriedade nos últimos anos, com destaque para a exposição individual Como depositar imagens no banco (Appleton, 2018), a participação no FUSO'18, Festival Internacional de Videoarte de Lisboa com Jardim Ultravioleta e a premiação na 2ª Edição do Prémio Sonae Media Arte, 2017 com o projecto Estivador de Imagens.

A sua obra tem um universo muito particular, em que as imagens - com recorrência de found footage - e os sons, muitas vezes de origem bélica, relativas a guerras, dizendo respeito à destruição, se tornam líricas, por relação e enquadramento num mind set tecnológico, onírico, em que a tecnologia cumpre uma nova função de deus: mistério, sedução, promessas veladas. Esta assimilação de camadas - de que a vida é feita igualmente - é transparente e sincera e, apesar disso, coloca-nos num lugar de experiência: a obra é mística e as ferramentas emocionais, mais do que as que são capazes de a racionalizar, são-nos ainda insuficientes, e por isso abrem uma brecha. Uma pequena fenda por onde a tecnologia nos olha o corpo.

Porque as obras em si vivem dessa experiência - a de visitar um lugar onde verdade e mentira se fundem - e a ela são irredutíveis, propus ao Rodrigo que nos debruçássemos sobre a sua construção (ou espelhamento) de ficções e verdades, a sua poética, numa mistura de virtualidade e realidade que está presente na experiência (da vida) e da própria linguagem. Esta foi uma conversa em mutação e edição que tomou o atelier como todo o espaço da vida. Por essas mesmas razões, anularam-se os limites entre os intervenientes. As imagens que acompanham o diálogo, não o acompanham, mas são-no também.

 

Magritte, Le Clef des songes (1935).

 

Achei que seria justo que esta entrevista-conversa pudesse ser uma colagem, uma ficção mais verdade do que outras, entre um contacto virtual e um contacto real. Como uma possibilidade futura. Sim. Achas que pode resultar? Sim, resulta. Eventualmente alguém há de pensar na possibilidade certa e depois ela aparece. Podemos conversar virtualmente e isso entrar no texto, com a devida introdução quanto ao modelo. Uma voz única? Uma voz singular. As imagens do futuro são ficções? Os Kraftwerk dizem assim: I'm the transmitter I give information / You’re the antenna catching vibration / I’m the antenna catching vibration / You’re the transmitter [1] give information. E m todo o caso, comecemos no passado. Em correlação. Comecemos no projecto Como depositar imagens no banco. Comecei a fazer pesquisas de testes de calibração e a tentar criar um. Desisti. Desisti a partir do momento que vi que o próprio fundo de edição do photoshop é já um campo de calibração de miras. O acerto é um fenómeno generalizado. Sim. É extremamente curiosa a relação entre a eficácia e o abate. Acertar. As ferramentas digitais de edição de imagem têm na sua génese a procura de uma violência interiorizada? A maioria das tecnologias de edição e identificação presentes no século XXI surgiram de projetos com fins militares ou aeroespaciais desenvolvidos no passado. As ferramentas digitais são meios (ainda) muito dependentes da mão do homem e que servem para criar ou destruir imagens e pensamentos. Como uma ferramenta de controlo. Como o cinema. Consideremos isto como um acto de violência. Cabe-nos a nós decidir se queremos continuar a tomar o controlo ou se deixamos que as ferramentas se tornem mais automatizadas. E o que é que isso implicará... Caso contrário, uma completa automatização das ferramentas ou uma total dependência da inteligência artificial fará com que tenhamos que mudar a própria definição da palavra criar e destruir. E acho que existir também. Estão relacionadas. Sim. Isto porque deixa de estar nas nossas mãos e as ferramentas digitais passam a ditar o próprio acto e talvez mesmo o alvo de violência. Contudo, em que momento é que passamos a não conseguir distinguir uma imagem falsa de uma verdadeira? Se uma máquina capturar a imagem de uma pessoa e a reconstruir digitalmente estaremos a olhar para a fotografia da pessoa ou para algo mais? Para uma nova pessoa? E.. não estaremos já mergulhados em imagens inventadas? E em corpos inventados; desde o pacemaker às pernas de substituição? Ou descendo o limbo para aparelhos dentários, smartphones sem os quais não podemos viver... Acho que já estamos nesse lugar de indistinção. Agora é saber como viver com ele, ou dentro dele. Eu acho que essa parte nos falta. E nisso, é importante a história [da tecnologia]? É importante para definir e redefinir o acto de criação. Mas a redefinição da criação poderá ser a-tecnológica (ainda que técnica). Não? Não faço distinção entre a tecnologia e a técnica, a etimologia da palavra tecnologia acaba por definir-se a si própria. Em 2001: Odisseia no Espaço o macaco, quando atira um osso para o ar, marca a passagem do reconhecimento do osso como ferramenta tecnológica que permite destruir e defender para objeto de criação e passagem temporal. Interessam-te mais estas pequenas narrativas? Que muitas vezes servem grandes imagens.. Eu cresci na terra das Mamografias por Satélite [2]. Em 2002 em São Bartolomeu de Messines aconteceu um episódio de burla inventada por uma médica que telefonou a algumas mulheres para que, no dia e nas horas que ela lhes indicava, mostrarem os peitos à janela ou em espaços públicos. Nesse momento, um satélite estaria sobre a vila e, através do disparo de um laser, iria captar e criar um exame de mamografia, que posteriormente seria enviado por correio. Este épico caso acabou quando certas pessoas repararam que havia mulheres à janela, e outras numa cabine telefónica, ou em outros espaços, com os peitos a apontar para o céu. Não passava tudo de um esquema de burla. Esta história, e a sua curiosidade e humor, serve para chegar aqui: muitas vezes, há momentos ou eventos que nos são próximos e que não conseguimos ver. Quando há demasiada proximidade às vezes não vemos as questões. Quando nos afastamos percebemos que as pequenas narrativas, que nos passaram ao lado como questão, têm outra face e outra interpretação. As Mamografias por Satélite funcionam para mim como um exemplo bem claro (agora, distanciado no tempo, e olhando para trás) sobre como passámos a guiar-nos pela tecnologia. Ou por desespero (neste caso em querer saber o estado de saúde) ou por realmente pensarmos que já vivemos no amanhã. Neste determinado amanhã, em que a tecnologia nos determina. Um amanhã não muito longe para nos fazer acreditar que existem exames médicos realizados através de um satélite no espaço. É caricata e curiosa essa história, que é um exacto limbo entre a ingenuidade e a crença. Acho uma coisa - apesar de horrível pela burla e pelo sentimento de humilhação causado nas mulheres alvo - que tem muita poesia. Neste sentido em que há um acreditar de avanço e progressão mas também numa medicina e tecnologia que empatizam com uma forma de estar ao [ar] livre. São estas pequenas curiosidades dentro das pequenas narrativas que te permitem criar um discurso dentro de um discurso dentro de outro discurso? A curiosidade é como uma personagem que sai do romance Flatland [Edwin A Abbott] para uma tela pintada. E como as histórias do cinema entram na nossa vida? Também. O contacto influencia e possibilita a tradução ou transdução das vivências. Da matéria da vida. A aprendizagem sobre determinadas ferramentas digitais influencia a forma como interpretamos determinada obra, da mesma forma que o modo como seguro o pincel influencia a leitura de uma pintura. Mas sobre a especificidade desta aprendizagem e influência podemos pensar novamente as miras. O acesso público a imagens de alta-resolução através de satélites e de câmaras de vigilância moldou o nosso olhar sobre o mundo: “ (...) as sociedades contemporâneas estão saturadas da infinidade de perspetivas digitais e mediadas por ecrãs “sempre ativos”; transformaram-nos em “exércitos de olhos protéticos sobre grandes volumes de espaços geográficos” [3] Por outras palavras, o nosso olhar passou a manufaturar o mundo como um infinito campo de miras a serem detetadas e manipuladas à distância. É a violência a entrar na forma naturalizada de olhar o mundo? A violência a moldar o nosso pensamento? Não estamos ainda num lugar em que é a violência que molda o meu e o teu pensamento, mas as novas formas e novas ferramentas tecnológicas fomentam uma violência que não nos é ainda familiar, é para um humano além de nós. Estás a construir uma meta narrativa-tecnológica? Sim, vejo o que faço como uma forma de meta narrativa-tecnológica. Como é que te relacionas com a ficção científica sendo que ela nos permite um vislumbre de um futuro (mesmo que não O futuro)?

A ficção científica ajuda-me a ver o quão errado e igualmente o quão certo é consumirmos ficções. Por um lado, fomenta a ideia de que a vida é uma ilusão, e por outro, descobrimos que algumas das nossas ideias já foram executadas por outras pessoas. A maior parte delas, na verdade. O vislumbre do futuro só existe dentro da própria ficção.

Mas voltando aos projectos concretos, para podermos voltar ao futuro que já aí está, em Jardim Ultravioleta, e recuperando palavras importantes - como talvez Espectro possa ser. Então, durante as minhas pesquisas sobre o tratamento de cor fiquei interessado nas cores da visão infravermelha. Dentro desse interesse encontrei este vídeo no YouTube que mostra que através de câmaras infravermelhas é possível detectar gases [4]. O que me chama a atenção é que a visão aqui (ou um ver paralelo) se sobrepõe ao que temos acesso apenas através do som e cheiro. Por isso é que câmara infravermelha é muito utilizada em exercícios militares, em aeroportos e no espaço para detectar objectos suspeitos. É através da onda de calor, espectro eletromagnético. Mas aqui é também uma espécie de desmembramento-desdobramento das possibilidades dos sentidos - e por sua vez da verdade, ou das verdades, e das ficções - se reconfigurarem.

Muitas vezes de formas mais óbvias e maliciosas que outras. Não me recordo se já te cheguei a falar do sorriso manipulado que o canal de televisão Russo Channel One transmitiu sobre o encontro do ministro de negócios estrangeiros russo com Kim Jong Un? É um grande desdobramento! Mas é mais fácil e claro chamar-lhe uma photoshopada. Faz-me lembrar esta passagem de Vilém Flusser: estamos vivendo em mundo imaginário, no mundo das fotografias, dos filmes, do vídeo, de hologramas (...); imaginação ao quadrado (...). [ 5]

 

 

 

Catarina Real

 


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Notas

[1] https://www.youtube.com/watch?v=PHlcSwBsyks
[2] https://www.youtube.com/watch?v=GNLa4lDoYvQ
[3] No original: “(...) contemporary societies are saturated by a multitude of “always on” digital and screen-based perspectives; extending armies of prosthetic eyes laid across entire volumes of geographic space;”; in Vertical , p.43
[4] https://www.youtube.com/watch?v=t2PoPh2B9qo
[5] FLUSSER, Vilém; O Universo das Imagens Técnicas, 2 012; p.55


Para mais informação sobre o trabalho do Rodrigo, consultem o seu site.