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PEDRO VALDEZ CARDOSO
VICTOR PINTO DA FONSECA
Pedro Valdez Cardoso (1974), desenvolve um reconhecido estilo desde muito cedo no seu percurso. As suas obras são essencialmente compostas por materiais simples e básicos; realizadas com mestria, exploram a importância da história da arte, colonial e política, no trabalho do artista.
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VPF: Sobre a exposição 'outra coisa' que apresentas actualmente na galeria Caroline Pagès e que pode ser vista até ao dia 7 de fevereiro, referes no texto de sala, "Esta é na verdade uma exposição de e sobre objectos, e sobre os 'modos de ver', de pintura tem quase nada ou talvez tudo, depende de como se vê. É outra coisa."
Que multiplicidade de leituras é esta que o visitante deve pressupor ou questionar, para abordar a exposição?
PVC: O projecto foi inicialmente pensado para ser uma exposição em torno da história da pintura. Em muitos projectos meus anteriores certas obras de pintura foram um forte referente mas sem nunca as peças em si proporem de forma consciente uma abordagem ou desconstrução directa sobre o suporte referenciado. Em “outra coisa” a premissa inicial era a de constituir uma espécie de breviário da história da pintura, ou seja, que cada uma das peças apontasse questões ligadas a determinados episódios da história da arte, do séc. XVII até à década de 60 do século XX, dentro do período dos chamados movimentos. Com o desenvolvimento do trabalho a ideia inicial foi sendo transformada porque as peças tomaram outro caminho. Em que o diálogo entre representação e real se tornou dominante. No entanto, existe uma clara alusão à pintura, seja de natureza-morta, retrato, paisagem, monocromatismo, assemblage, naturalismo, etc, ou seja, ainda está lá tudo. Aliás a expressão “modos de ver” é uma clara alusão à obra “ways of seeing” do John Berger.
VPF: Consideras ser esta exposição um olhar crítico sobre a herança cultural ou inclui antes um 'statement' sobre a história da pintura?
PVC: Eu penso que acaba por ser as duas coisas, mas não lhe chamaria exactamente “statement”. Até porque muitas das peças apontam leituras que vão muito além da pintura. Tens peças que insinuam questões da história colonial europeia, outras remetem para o domínio do privado e da identidade sexual, e outras sim são um referente muito directo à pintura de que é exemplo a peça “os comedores de batatas”. Existem ainda situações em que o político e o estético se cruzam como no caso da peça “The Dutch man’s dream”, em que tens uma clara alusão ao passado colonial holandês e em paraleo à tradição da pintura de natureza-morta desse mesmo país.
VPF: O material que usas e os objectos proeminentes (e reconhecíveis) que estas obras contêm, são essencialmente de material barato e não necessariamente atractivos; deve-se considerar que o valor das obras consiste mais na narrativa por detrás delas do que aquilo que elas na realidade são? De alguma forma o material que escolhes é a coluna vertebral da tua prática?
PVC: O material usado é sempre uma escolha crítica, no sentido em que é ele mesmo discurso. O material não define nunca apenas o aspecto formal de uma peça. Esta talvez seja uma questão que não se coloca em artistas cuja prática é sempre sobre determinado suporte, pintura ou fotografia ou vídeo.
Em “outra coisa” interessava-me usar um material que tivesse uma aparência industrial e cuja cobertura anulasse por completo as diferentes texturas e os diferentes materiais inerentes a cada um dos objectos. Essa anulação da identidade de cada objecto permitiu um nível de leitura uniforme e igualitário. E consequentemente possibilitou que os frutos e os legumes que se encontram nas peças assumissem um estatuto natural.
VPF: Vês-te incluído na tradição da cultura pop em que o artista é especialmente um receptor que permite que tudo vá até si, absorve com o próprio corpo, e processa isso de alguma maneira?
É assim que o teu trabalho se constrói?
PVC: Considero que tudo é passível de ser usado como matéria artística e acho que o artista acaba por ser um mediador do real mas eu não o faço de uma forma impulsiva, sou muito racional. É sempre um processo cognitivo mas não construo os meus trabalhos a partir de uma experiência meramente processual e experimentalista. Normalmente inicio um projecto porque quero abordar esta ou aquela questão, que pode ser de domínios tão diversos como uma questão ligada a determinada subcultura, um aspecto biográfico, questões da história da arte ou algo relacionado com a história política. Existe um claro gosto pelo ecletismo no meu trabalho e agrada-me especialmente que as peças contenham diversas camadas de leitura, resultantes desse cruzar de referentes que normalmente as precede.
VPF: Grande parte das tuas obras sugere-me especialmente a tua formação na Escola Superior de Teatro e Cinema; concordas que a experiência que inicialmente adquiriste em realização plástica do espectáculo é inseparável da tua reconhecida prática artística?
PVC: Há 15 anos atrás, quando comecei a expor, teria negado em absoluto essa leitura, porque o estigma de não ter uma formação em Belas-Artes ainda teve o seu peso. Hoje penso que existem pontes entre a minha formação e o que faço mas acho que a suposta “teatralidade” de que falas é de outra ordem, ou seja, essa ligação surge a meu ver pelo facto de muitas das minhas peças suporem uma acção congelada. E é nessa suposta performatividade em que se advinham os corpos no espaço que eu encontro analogias com o Teatro.
VPF: Como é que passas o teu tempo no atelier? Que projectos tens para o ano 2015 que agora se inicia?
PVC: Não sou muito disciplinado com o trabalho de atelier, mas isso tem que ver com o meu processo de trabalho. Não vou para o atelier de manhã cedo e fico a experimentar e a trabalhar ao acaso até ir descobrindo coisas, raramente tenho essa concepção de atelier como laboratório. O mais comum é haver um processo de investigação e maturação de conceito que é um processo meramente mental, e por isso é um trabalho diário, que faço em qualquer local em que esteja, e habitualmente faço-o fora do espaço de atelier. O atelier serve essencialmente para a construção das peças. Eu durante muito tempo não tive atelier e isso obrigou-me a um processo de trabalho em que eu construía de cabeça as peças até ao último detalhe, o que depois na execução não acontecia exactamente assim. Do mesmo modo que o uso privilegiado do chão ou a construção por adição de elementos, que depois no conjunto constroem uma grande peça, são um claro reflexo dessa situação. O meio é sempre condicionante.
Para 2015 tenho já agora em Janeiro a exposição comemorativa dos 10 anos do espaço Laboratório das Artes de Guimarães, no Centro Cultural Vila Flor. Depois para Março estou a preparar um projecto que irá ocupar os palácios de Sintra e outro para o Carpe Diem Arte e Pesquisa, em Lisboa. Em junho tenho uma exposição em Sines, em paralelo com outro artista, que irá ocupar os espaços do Centro Cultural Emmerico Nunes e do Centro de Artes.