Links

PERSPETIVA ATUAL


Kiluanji Kia Henda, “Spacecraft Icarus 13 – The first journey to the Sun” (Spaceship Icarus 13), 2008


Kiluanji Kia Henda, “Spacecraft Icarus 13 – The first journey to the Sun” (Astronomy Observatory), 2008


Kiluanji Kia Henda, “Spacecraft Icarus 13 – The first journey to the Sun” (The launch of Icarus 13), 2008


Kiluanji Kia Henda, “Spacecraft Icarus 13 – The first journey to the Sun”, 2008. Instalação


Kiluanji Kia Henda, “Transit”, 2009. Fotografia em caixa de luz, 243 x 55 cm


Kiluanji Kia Henda, “Un recuerdo para ti”, 2009. Tríptico. Fotografia sobre alumínio, 120 x 80 cm


Kiluanji Kia Henda, “Un recuerdo para ti”, 2009. Fotografia sobre alumínio


Kiluanji Kia Henda, “Un recuerdo para ti”, 2009. Fotografia sobre alumínio


Kiluanji Kia Henda, “Un recuerdo para ti”, 2009. Fotografia sobre alumínio

Outros artigos:

2024-04-13


FÁTIMA LOPES CARDOSO


2024-03-04


PEDRO CABRAL SANTO


2024-01-27


NUNO LOURENÇO


2023-12-24


MAFALDA TEIXEIRA


2023-11-21


MARC LENOT


2023-10-16


MARC LENOT


2023-09-10


INÊS FERREIRA-NORMAN


2023-08-09


DENISE MATTAR


2023-07-05


CONSTANÇA BABO


2023-06-05


MIGUEL PINTO


2023-04-28


JOÃO BORGES DA CUNHA


2023-03-22


VERONICA CORDEIRO


2023-02-20


SALOMÉ CASTRO


2023-01-12


SARA MAGNO


2022-12-04


PAULA PINTO


2022-11-03


MARC LENOT


2022-09-30


PAULA PINTO


2022-08-31


JOÃO BORGES DA CUNHA


2022-07-31


MADALENA FOLGADO


2022-06-30


INÊS FERREIRA-NORMAN


2022-05-31


MADALENA FOLGADO


2022-04-30


JOANA MENDONÇA


2022-03-27


JEANNE MERCIER


2022-02-26


PEDRO CABRAL SANTO


2022-01-30


PEDRO CABRAL SANTO


2021-12-29


PEDRO CABRAL SANTO


2021-11-22


MANUELA HARGREAVES


2021-10-28


CARLA CARBONE


2021-09-27


PEDRO CABRAL SANTO


2021-08-11


RITA ANUAR


2021-07-04


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2021-05-30


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2021-04-28


CONSTANÇA BABO


2021-03-17


VICTOR PINTO DA FONSECA


2021-02-08


MARC LENOT


2021-01-01


MANUELA HARGREAVES


2020-12-01


CARLA CARBONE


2020-10-21


BRUNO MARQUES


2020-09-16


FÁTIMA LOPES CARDOSO


2020-08-14


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2020-07-21


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2020-06-25


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2020-06-09


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2020-05-21


MANUELA HARGREAVES


2020-05-01


MANUELA HARGREAVES


2020-04-04


SUSANA GRAÇA E CARLOS PIMENTA


2020-03-02


PEDRO PORTUGAL


2020-01-21


NUNO LOURENÇO


2019-12-11


VICTOR PINTO DA FONSECA


2019-11-09


SÉRGIO PARREIRA


2019-10-09


LUÍS RAPOSO


2019-09-03


SÉRGIO PARREIRA


2019-07-30


JULIA FLAMINGO


2019-06-22


INÊS FERREIRA-NORMAN


2019-05-09


INÊS M. FERREIRA-NORMAN


2019-04-03


DONNY CORREIA


2019-02-15


JOANA CONSIGLIERI


2018-12-22


LAURA CASTRO


2018-11-22


NICOLÁS NARVÁEZ ALQUINTA


2018-10-13


MIRIAN TAVARES


2018-09-11


JULIA FLAMINGO


2018-07-25


RUI MATOSO


2018-06-25


MARIA DE FÁTIMA LAMBERT


2018-05-25


MARIA VLACHOU


2018-04-18


BRUNO CARACOL


2018-03-08


VICTOR PINTO DA FONSECA


2018-01-26


ANA BALONA DE OLIVEIRA


2017-12-18


CONSTANÇA BABO


2017-11-12


HELENA OSÓRIO


2017-10-09


PAULA PINTO


2017-09-05


PAULA PINTO


2017-07-26


NATÁLIA VILARINHO


2017-07-17


ANA RITO


2017-07-11


PEDRO POUSADA


2017-06-30


PEDRO POUSADA


2017-05-31


CONSTANÇA BABO


2017-04-26


MARC LENOT


2017-03-28


ALEXANDRA BALONA


2017-02-10


CONSTANÇA BABO


2017-01-06


CONSTANÇA BABO


2016-12-13


CONSTANÇA BABO


2016-11-08


ADRIANO MIXINGE


2016-10-20


ALBERTO MORENO


2016-10-07


ALBERTO MORENO


2016-08-29


NATÁLIA VILARINHO


2016-06-28


VICTOR PINTO DA FONSECA


2016-05-25


DIOGO DA CRUZ


2016-04-16


NAMALIMBA COELHO


2016-03-17


FILIPE AFONSO


2016-02-15


ANA BARROSO


2016-01-08


TAL R EM CONVERSA COM FABRICE HERGOTT


2015-11-28


MARTA RODRIGUES


2015-10-17


ANA BARROSO


2015-09-17


ALBERTO MORENO


2015-07-21


JOANA BRAGA, JOANA PESTANA E INÊS VEIGA


2015-06-20


PATRÍCIA PRIOR


2015-05-19


JOÃO CARLOS DE ALMEIDA E SILVA


2015-04-13


Natália Vilarinho


2015-03-17


Liz Vahia


2015-02-09


Lara Torres


2015-01-07


JOSÉ RAPOSO


2014-12-09


Sara Castelo Branco


2014-11-11


Natália Vilarinho


2014-10-07


Clara Gomes


2014-08-21


Paula Pinto


2014-07-15


Juliana de Moraes Monteiro


2014-06-13


Catarina Cabral


2014-05-14


Alexandra Balona


2014-04-17


Ana Barroso


2014-03-18


Filipa Coimbra


2014-01-30


JOSÉ MANUEL BÁRTOLO


2013-12-09


SOFIA NUNES


2013-10-18


ISADORA H. PITELLA


2013-09-24


SANDRA VIEIRA JÜRGENS


2013-08-12


ISADORA H. PITELLA


2013-06-27


SOFIA NUNES


2013-06-04


MARIA JOÃO GUERREIRO


2013-05-13


ROSANA SANCIN


2013-04-02


MILENA FÉRNANDEZ


2013-03-12


FERNANDO BRUNO


2013-02-09


ARTECAPITAL


2013-01-02


ZARA SOARES


2012-12-10


ISABEL NOGUEIRA


2012-11-05


ANA SENA


2012-10-08


ZARA SOARES


2012-09-21


ZARA SOARES


2012-09-10


JOÃO LAIA


2012-08-31


ARTECAPITAL


2012-08-24


ARTECAPITAL


2012-08-06


JOÃO LAIA


2012-07-16


ROSANA SANCIN


2012-06-25


VIRGINIA TORRENTE


2012-06-14


A ART BASEL


2012-06-05


dOCUMENTA (13)


2012-04-26


PATRÍCIA ROSAS


2012-03-18


SABRINA MOURA


2012-02-02


ROSANA SANCIN


2012-01-02


PATRÍCIA TRINDADE


2011-11-02


PATRÍCIA ROSAS


2011-10-18


MARIA BEATRIZ MARQUILHAS


2011-09-23


MARIA BEATRIZ MARQUILHAS


2011-07-28


PATRÍCIA ROSAS


2011-06-21


SÍLVIA GUERRA


2011-05-02


CARLOS ALCOBIA


2011-04-13


SÓNIA BORGES


2011-03-21


ARTECAPITAL


2011-03-16


ARTECAPITAL


2011-02-18


MANUEL BORJA-VILLEL


2011-02-01


ARTECAPITAL


2011-01-12


ATLAS - COMO LEVAR O MUNDO ÀS COSTAS?


2010-12-21


BRUNO LEITÃO


2010-11-29


SÍLVIA GUERRA


2010-10-26


SÍLVIA GUERRA


2010-09-30


ANDRÉ NOGUEIRA


2010-09-22


EL CULTURAL


2010-07-28


ROSANA SANCIN


2010-06-20


ART 41 BASEL


2010-05-11


ROSANA SANCIN


2010-04-15


FABIO CYPRIANO - Folha de S.Paulo


2010-03-19


ALEXANDRA BELEZA MOREIRA


2010-03-01


ANTÓNIO PINTO RIBEIRO


2010-02-17


ANTÓNIO PINTO RIBEIRO


2010-01-26


SUSANA MOUZINHO


2009-12-16


ROSANA SANCIN


2009-11-10


PEDRO NEVES MARQUES


2009-10-20


SÍLVIA GUERRA


2009-10-05


PEDRO NEVES MARQUES


2009-09-13


LUÍSA SANTOS


2009-08-22


TERESA CASTRO


2009-07-24


PEDRO DOS REIS


2009-06-15


SÍLVIA GUERRA


2009-06-11


SANDRA LOURENÇO


2009-06-10


SÍLVIA GUERRA


2009-05-28


LUÍSA SANTOS


2009-05-04


SÍLVIA GUERRA


2009-04-13


JOSÉ MANUEL BÁRTOLO


2009-03-23


PEDRO DOS REIS


2009-03-03


EMANUEL CAMEIRA


2009-02-13


SÍLVIA GUERRA


2009-01-26


ANA CARDOSO


2009-01-13


ISABEL NOGUEIRA


2008-12-16


MARTA LANÇA


2008-11-25


SÍLVIA GUERRA


2008-11-08


PEDRO DOS REIS


2008-11-01


ANA CARDOSO


2008-10-27


SÍLVIA GUERRA


2008-10-18


SÍLVIA GUERRA


2008-09-30


ARTECAPITAL


2008-09-15


ARTECAPITAL


2008-08-31


ARTECAPITAL


2008-08-11


INÊS MOREIRA


2008-07-25


ANA CARDOSO


2008-07-07


SANDRA LOURENÇO


2008-06-25


IVO MESQUITA


2008-06-09


SÍLVIA GUERRA


2008-06-05


SÍLVIA GUERRA


2008-05-14


FILIPA RAMOS


2008-05-04


PEDRO DOS REIS


2008-04-09


ANA CARDOSO


2008-04-03


ANA CARDOSO


2008-03-12


NUNO LOURENÇO


2008-02-25


ANA CARDOSO


2008-02-12


MIGUEL CAISSOTTI


2008-02-04


DANIELA LABRA


2008-01-07


SÍLVIA GUERRA


2007-12-17


ANA CARDOSO


2007-12-02


NUNO LOURENÇO


2007-11-18


ANA CARDOSO


2007-11-17


SÍLVIA GUERRA


2007-11-14


LÍGIA AFONSO


2007-11-08


SÍLVIA GUERRA


2007-11-02


AIDA CASTRO


2007-10-25


SÍLVIA GUERRA


2007-10-20


SÍLVIA GUERRA


2007-10-01


TERESA CASTRO


2007-09-20


LÍGIA AFONSO


2007-08-30


JOANA BÉRTHOLO


2007-08-21


LÍGIA AFONSO


2007-08-06


CRISTINA CAMPOS


2007-07-15


JOANA LUCAS


2007-07-02


ANTÓNIO PRETO


2007-06-21


ANA CARDOSO


2007-06-12


TERESA CASTRO


2007-06-06


ALICE GEIRINHAS / ISABEL RIBEIRO


2007-05-22


ANA CARDOSO


2007-05-12


AIDA CASTRO


2007-04-24


SÍLVIA GUERRA


2007-04-13


ANA CARDOSO


2007-03-26


INÊS MOREIRA


2007-03-07


ANA CARDOSO


2007-03-01


FILIPA RAMOS


2007-02-21


SANDRA VIEIRA JURGENS


2007-01-28


TERESA CASTRO


2007-01-16


SÍLVIA GUERRA


2006-12-15


CRISTINA CAMPOS


2006-12-07


ANA CARDOSO


2006-12-04


SÍLVIA GUERRA


2006-11-28


SÍLVIA GUERRA


2006-11-13


ARTECAPITAL


2006-11-07


ANA CARDOSO


2006-10-30


SÍLVIA GUERRA


2006-10-29


SÍLVIA GUERRA


2006-10-27


SÍLVIA GUERRA


2006-10-11


ANA CARDOSO


2006-09-25


TERESA CASTRO


2006-09-03


ANTÓNIO PRETO


2006-08-17


JOSÉ BÁRTOLO


2006-07-24


ANTÓNIO PRETO


2006-07-06


MIGUEL CAISSOTTI


2006-06-14


ALICE GEIRINHAS


2006-06-07


JOSÉ ROSEIRA


2006-05-24


INÊS MOREIRA


2006-05-10


AIDA E. DE CASTRO


2006-04-05


SANDRA VIEIRA JURGENS



A DESMEDIDA DE KILUANJI KIA HENDA - DA TRIENAL DE GUANGZHOU À EXPERIMENTA DESIGN: DOIS PROJECTOS



MARTA MESTRE

2009-09-21




Kiluanji Kia Henda tem vindo a expor internacionalmente – de Guangzhou à Cidade do Cabo, de Nairobi a Veneza - o que desvincula o seu trabalho de uma legitimação que passaria exclusivamente pelas capitais da arte contemporânea do Ocidente. Outro dos traços singulares do seu percurso é que até agora, a apresentação do seu trabalho não tem passado pela legitimação no “pequeno” mundo da “ex-metrópole”, Lisboa. Enquanto artista de nacionalidade angolana, e portanto, de um país hoje independente e outrora colónia portuguesa, o seu art world’s tem estado alheio a um conjunto de políticas culturais que têm a língua portuguesa como ligação, e que insistem em mostrar a arte e respectivos artistas em circuito fechado, itinerando pelas ex-colónias e a ex-metrópole. Em Portugal, Kiluanji Kia Henda expos uma única vez e fora dos centros habituais, “Ngola Bar” no Centro de Artes de Sines (2007). Traz agora a Lisboa, a propósito da Experimenta Design 09 e da exposição “Luanda: Anatomia da Velocidade”, um novo projecto (“Transit” e “Un recuerdo para ti”, 2009). Propomos, desta forma, fazer a leitura de uma das fotografias que Kiluanji traz a Lisboa – “Transit” – a par da foto-instalação “Icarus 13” apresentada na Trienal de Guangzhou em 2008, na China. Em ambos os projectos sugere-se um olhar quer do colonialismo, como do pós-colonialismo em África. Mas aquilo que suscita a leitura que se segue, é que ao procurar rever a história, vem-se a perceber que “toda a história como reconstrução do passado é, obviamente, um mito”(1) (Jan Vansina).


ICARUS 13 CHEGA AO SOL

O projecto “Icarus 13”, seleccionado por Stina Edblom, research-curator para a Trienal de Guangzhou “Farewell to Postcolonialism” (2), apresenta a primeira viagem espacial realizada ao Sol, protagonizada por uma missão angolana. Trata-se de uma instalação - oito fotografias e uma maqueta da nave – que documenta todos preparativos para a descolagem: desde as últimas revisões da maquinaria, a equipa de trabalhadores, uma vista geral do estaleiro, até aos feixes de luz da nave. O texto que acompanha este trabalho, deliberadamente anónimo, termina com um “to be continued” e deixa em aberto o desenrolar da missão.

Tal como a própria instalação explicita ostensivamente, a missão Icarus 13 não existiu historicamente, e os trabalhadores que vemos nas fotografias jamais afinaram os motores da nave. Desta forma, “Icarus 13” fabrica uma perplexidade com gozo e ironia. O efeito que provoca tem uma intensidade e natureza antropológicas, ou seja, mistura episódios históricos, políticos ou mesmo mitológicos, também presentes nas narrativas utópicas. “Icarus 13” evoca de forma imediata o anti-herói grego que perde as asas no momento em que se aproxima do Sol, ao mesmo tempo que retoma inteligente as piadas ao jeito de Samora Machel que provocavam a gargalhada geral na audiência: “os africanos iriam chegar ao Sol, mas tinha de ser de noite para não se queimarem”. Para lá do irrisório da imagem, estabelece-se, portanto, uma ponte entre o mito e o cómico.

A vida que anima a instalação “Icarus 13” é a vida que subtilmente se insinua nos intervalos de significação a que se prestam as imagens, quando cuidadosamente seleccionadas e montadas. Assim, a instalação oscila entre a ficção expressa (a missão solar) e a realidade, mas uma realidade composta tanto por posicionamentos político-civilizacionais (a piada de Machel, que pode ser interpretada como a proximidade/distanciamento de África vis à vis o Ocidente) como por reminiscências clássicas (Ícaro), mas ainda uma realidade profundamente enraizada no quotidiano, intrinsecamente prosaica e, por fim, a realidade artística em que, fatalmente, a obra artística se insere.

Os trabalhadores que em “Icarus 13” afinam a maquinaria da nave são, afinal, trabalhadores da construção civil de Luanda que Kiluanji fotografou durante incursões de trabalho. “Icarus 13” “é” um mausoléu inacabado deixado pelos russos em Angola, onde consta repousar o corpo de Agostinho Neto. O que se apresenta como “Observatório de Astronomia”, por exemplo, “é” um cinema na região do Namibe que a descolonização deixou inacabado. As luzes da descolagem da nave “são” imagens captadas durante os festejos da ida da selecção angolana “Palancas Negras” à Copa do Mundo de 2006, etc (3). Kia Henda dispara em várias direcções e coloca-se no centro de um campo especulativo calibrado com a sinopse da instalação que diz: “As a ball of fire this odyssey to the Sun needed imagination as its fuel”, onde se compara a imaginação a um músculo que trabalha na contínua redisposição das imagens, entre a ficção e a realidade. Efectivamente, “Icarus 13” baralha a história, “desafina” o passado colonial, os estereótipos africanos e a desmedida imperialista, mas o interesse deste “programa”, aquilo que o torna destabilizador é o facto de operar no terreno vacilante que vai do documento à ficção, uma das questões centrais da pesquisa contemporânea.


EM “TRANSIT”

“Transit” surge no âmbito de uma parceria entre a Experimenta Design e a Fundação Sindika Dokolo, e no contexto de uma aproximação entusiasmada entre a Trienal de 2010 e outros projectos portugueses, como também é o caso da Trienal de Arquitectura de Lisboa. No Palácio Braamcamp, espaço em uso pela Experimenta09, Kiluanji Kia Henda instala face a face uma referência a dois momentos do período colonial. Por um lado, uma evocação, espécie de memento, da ida de um angolano à Rússia (o tríptico “Un recuerdo para ti”), e por outro, uma fotografia montada numa caixa de luz que representa a estátua de P. Dias de Novais, neto de Bartolomeu Dias, e primeiro governador da actual Luanda, intitulada “Transit”. É sobre esta última que me irei deter.

Através da imagem do governador, Kiluanji propõe uma ponte entre a época dos Descobrimentos, altura dos primeiros contactos dos portugueses com a região que actualmente corresponde a Angola, e a actualidade. O título vê-se implicado na imagem. Kiluanji “captou” a estátua no momento da sua desmontagem na Fortaleza de S. Miguel. Vemo-la em trânsito contra um tapume vermelho das obras. É esta a sua situação actual. A fragmentação e a segmentação da imagem encontram, desta forma, uma relação muito estreita com a nossa forma contemporânea de ver (lembra a linha de montagem, a serialização, a BD, etc). Não só vemos as coisas, os objectos, mas também o seu processo, o espaço que está entre as coisas. Se por um lado a fragmentação da imagem sugere o modo como estes objectos eram transportados (originariamente de barco, em peças autónomas), por outro, a sua organização segmentada numa caixa de luz, confere ao projecto o carácter escultórico do objecto a que se refere, a estátua de Dias de Novais. Mas aquilo que verdadeiramente o faz “falar” de viva voz, é o facto de a imagem estar na horizontal, prostrada sob o chão, jaz morto e arrefece. Com efeito, mostrar na horizontal uma imagem que nos habituámos a ver na vertical vai permitir a constituição de um dispositivo crítico, através de duas vias. Trata-se de um caminho bifurcado, com horizontes distintos.

Num dos sentidos sugere-se ao espectador aquilo que ele não sabe ver, trata-se de dizer: “Aqui está o tempo do colonialismo português finalmente decepado”, ao qual não é alheio o facto de historicamente os actos de iconoclastia e contra-poder terem sido praticados nos rostos das imagens, nem o facto de Kiluanji enquanto angolano estar em Lisboa a falar de um passado português, e que se assume como “paradoxo permissivo” (4) (Nathalie Heinich), ou seja, o poder integra a sua crítica (ou transgressão) no momento em que ela surge, e ainda antes de ser sancionada pelo público, expondo-a no contexto institucional da arte contemporânea.

No segundo sentido, tenta-se produzir um curto-circuito através da montagem e da ocupação de elementos vaga ou declaradamente estranhos (na linha de “Icarus 13”), da existência de relações desestabilizadoras entre as imagens e as suas memórias. Vejamos sumariamente. ao colocar a estátua de tipo comemorativo na horizontal, ao inverso dos monumentos, dos obeliscos, dos padrões, dos menires, ou da escultura segundo a lógica do plinto, Kiluanji vem reflectir sobre as condições em que a escultura contemporânea realiza uma ruptura estética com a lógica do monumento (que Damián Ortega realiza esplendorosamente): fragmentar uma imagem é, neste caso, lembrar a fragilidade de um cânone. Para reforçar esta operação K. Kia Henda enclausura a imagem de P. Dias de Novais numa geometria clara: as dimensões do rectângulo (2,50 x 50), e a altura a que se expõe lembram alguns exemplos da escultura minimalista (por exemplo Donald Judd). A caixa funciona como contentor onde a imagem é depositada, tal como um jacente, o lugar da última morada daquele tipo de representação que, na arte portuguesa, esteve ligado ao academismo modernizado do Estado Novo (5). Ao resgatar para a contemporaneidade esta imagem e implicá-la nestes procedimentos, “relemos” Rosalind Krauss e a noção de “campo expandido da escultura” (6) (R. Krauss: 1979). Krauss explica que a lógica da escultura é inseparável da lógica do monumento, e que os movimentos artísticos dos anos 60 (Krauss recua a génese deste processo às vanguardas históricas), sintomaticamente contemporâneas das primeiras independências em África, operam uma ruptura de ordem estética.

É nesta bifurcação que “Transit” suscita que Kiluanji reforça o sentido das imagens, optando pelo caminho que levou a uma percepção fragmentária e sequenciada da realidade, que suportou a passagem de um princípio vertical (devedor de toda a relação escultura-monumento) para um princípio horizontal. Sem ideia alguma de reconstruir a história, mas apenas olhando-a em trânsito.



Marta Mestre
Historiadora da arte e curadora. Doutoranda em cultura contemporânea, FCSH (Lisboa) / EHESS (Paris).



NOTAS

(1) Jan Vasina citado por Wyatt MacGaffey, “Crossing the River: Myth and Movement in Central Africa”, International symposium Angola on the Move: Transport Routes, Communication, and History, Berlin, 24-26 September 2003, www.tinyurl.com/lk2klb (acedido a 7/09/2009)
(2) 3ª Trienal de Guangzhou “Farewell to Post-Colonialism” (Cantão, China), 2008, apresentou 184 artistas de 40 países, e um expressivo destaque sobre a arte contemporânea do continente africano e de artistas africanos da diáspora.
(3) Um diálogo pode ser sugerido entre “Icarus 13” e “Sputnik” de Joan Fontcuberta, artista catalão, que ficciona a vida de Ivan Istochnikov, cosmonauta russo. Ao duplo desaparecimento (condição para a recuperação artística do acontecimento) soma-se, por exemplo, o facto de “Ivan Istochnikov” ser a tradução russa de Joan Fontcuberta, e do protagonista da “ficção” ser o próprio Fontcuberta.
(4) N. Heinich, Le triple jeu de l’art contemporain. Sociologie des arts plastiques, Paris: Les Editions de Minuit, 1998.
(5) Que veio a ficar caracterizado pela famosa designação de José-Augusto França, eskulturas, escrita com a letra “k”, uma vez que todas elas tinham capa. José-Augusto França, Quinhentos Folhetins, Vol. 1, Colecção Arte e Artistas, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1984.