Links


ARTES PERFORMATIVAS


A PROJECTION € OBJECTOS DE HOJE, SÍMBOLOS DE ONTEM

RICARDO ESCARDUÇA

2017-02-10



 

 

Se nos aproximámos do final de 2016 transportados até à Londres punk-rock de meados dos anos ’70 pelas reivindicações de individualidade e de liberdade contra as imposições de sistemas sociais de poder mais flagrantes ou mais dissimuladas, outra banda forasteira das terras britânicas nos faz regressar neste início já estendido de 2017, mas agora desviados para os anos imediatamente posteriores. Os suecos A Projection trazem-nos o post-punk do final dos anos ’70 e o new-wave e gothic-rock do início dos anos ‘80. Sim, há aqui muito, ou quase tudo, de Joy Division, e um pouco de The Cure, Depeche Mode, e outros que tais.

Seria caso para nos perguntarmos o que há de novo em A Projection. Contudo, se a inovação é um estímulo e uma qualidade a encorajar e cultivar, basta não resvalarmos na busca por constante inovação quando desequilibradamente obcecada que nos faz cair no erro de nos esquecermos de olhar para trás para verificarmos que essa questão não se coloca sequer. É esse o valor de A Projection.

Face ao ritmo acelerador de transformações sucessivas da cultura e dos sistemas da sociedade dos dias de hoje, dos seus símbolos, dos seus mitos, dos seus valores, dos seus rituais, afirmar-se-á que tão importante quanto o acto da transformação e da adaptação de cada indivíduo enquanto parte activa dessa cultura e dessa sociedade em constante mutação é a atitude igualmente activa de preservação e de memória do passado delas mesmas. De facto, se, nos anos ’40, o trio de pensadores de Frankfrut e os seus descendentes criticavam a cultura popular enquanto mecanismo de alienação da consciência da sociedade, denunciando-a como fraca alternativa aos mecanismos de poder e controlo impostos por elites e minorias no início do século, será actualmente admissível e é justificável que estes símbolos culturais da década de ’70 e ’80 convocados por A Projection (ou The Parkinsons), agentes marginais a essa regulamentação socio-cultural popular e que, sem dúvida, contribuíram para uma dinâmica expansiva que teve, entre outros, em Berlim, em 1989, um dos seus apogeus, sejam conservados e evocados na década actual enquanto reacção a muros físicos, símbolos de muros financeiros, tecnológicos, ideológicos e de outras naturezas que já estão novamente erguidos. É da recuperação da reacção igualitária dos anos ’70 que se trata.

 

 

“Framework” é um álbum de efeito poderoso. É um objecto símbolo do passado para nos fazer olhar para o presente. No seu segundo trabalho, disponível desde o passado dia 13 pela germânica Tapete Records, A Projection capturam a natureza intrínseca da metrópole actual. As treze faixas exalam o desespero, desorientação, fadiga e inquietude geradas pelo domínio obscuro dos locais geográficos de grandes aglomerados urbanos globais, devotos apenas do sistema económico e onde, na verdade, afinal, se vive em isolamento e perda do humano. Como gesto de desafio e de resistência, por entre a penumbra de ”Framework” surgem raros vislumbres de promessas de esperança e resiliência: “I see the light”.

 

 

Acrescente-se, aliás, que, em 2013, sentindo esse mesmo esvaziamento interior, os membros Isak Eriksson, na voz, Amos Pagin, na guitarra, Mattias Ruejas Jonson, no baixo, Linus Högstadius, nos teclados sintetizados e Jesper Lönn, na bateria, abandonam os seus cargos profissionais corporativos confortáveis e promissores mas submissos e desleais aos seus princípios para formar o quinteto rock e para se dedicar comprometidos à expressão artística das suas convicções e paixões. Em 2015, a Tapete Records lança “Exit”, o longa-duração de estreia da formação.

 

 

Ambos os trabalhos encorpam a impressão sonora da banda numa teia post-punk de camadas complementares de teclados volumosamente sintetizados, guitarras eléctricas que não dão descanso à pedaleira de efeitos e uma vigorosa secção rítmica e melódica de bateria e baixo que sustentam a voz grave e cavernosa que ecoa letras melancólicas e introspectivas. Se, por um lado, não trazem nada que vá além deste registo, os conjuntos tomam valor precisamente pela coerência artística e qualidade musical. Se os dois álbuns valem pelo seu todo, em “Framework”, destacam-se ainda faixas como “Sensible Ends” e “Betrayal”, enquanto que, em “Exit”, “This Is Not Me” e “Faith” não passam despercebidas.

No seguimento da estreia de 2015 e por entre muita inovação que, por vezes, falha o tiro, “Framework” vem agregar solidez à identidade personalizada da carreira de A Projection, faz-nos regressar a sonoridades e épocas que nunca é demais reviver e, acima de tudo, toma em nós o cargo de gatilho para reflexões que extrapolam o domínio musical e que muito vêm a calhar.

 


Tracklist “Framework”:

1. Hands
2. Dark City
3. Transition
4. Sensible Ends
5. Scattered
6. I’m Not Here
7. No Light
8. Next Time
9. For Another Day
10. Betrayal
11. Hollow Eyes
12. Breach
13. Listen To The Dark

 

Tracklist “Exit”:

1. Exit
2. Camera
3. Young Days
4. Reborn
5. Solid
6. Another Face
7. This Is Not Me
8. Retrospection
9. The Laughing Garden
10. Faith




Outros artigos:

2024-10-21


AO SER NINGUÉM, DUVALL TORNOU-SE TODAS. I AM NO ONE, DE NÁDIA DUVALL, NOS GIARDINI, BIENAL DE VENEZA 2024
 

2024-09-18


JOSÈFA NTJAM : SWELL OF SPÆC(I)ES
 

2024-08-13


A PROPÓSITO DE ZÉNITE
 

2024-06-20


ONDE ESTÁ O PESSOA?
 

2024-05-17


ΛƬSUMOЯI, DE CATARINA MIRANDA
 

2024-03-24


PARADIGMAS DA CONTÍNUA METAMORFOSE NA CONSTRUÇÃO DO TEMPO EM MOVIMENTO // A CONQUISTA DE UMA PAISAGEM AUTORAL HÍBRIDA EM CONTÍNUA CAMINHADA
 

2024-02-26


A RESISTÊNCIA TEMPORAL, A PRODUÇÃO CORPORAL E AS DINÂMICAS DE LUTA NA ARTE CONTEMPORÂNEA
 

2023-12-15


CAFE ZERO BY SOREN AAGAARD, PERFORMA - BIENAL DE ARTES PERFORMATIVAS
 

2023-11-13


SOBRE O PROTEGER E O SUPLICAR – “OS PROTEGIDOS” DE ELFRIEDE JELINEK
 

2023-10-31


O REGRESSO DE CLÁUDIA DIAS. UM CICLO DE CRIAÇÃO DE 10 ANOS A EMERGIR DA COLEÇÃO DE LIVROS DO SEU PAI
 

2023-09-12


FESTIVAL MATERIAIS DIVERSOS - ENTREVISTA A ELISABETE PAIVA
 

2023-08-10


CINEMA INSUFLÁVEL: ENTREVISTA A SÉRGIO MARQUES
 

2023-07-10


DEPOIS DE METADE DOS MINUTOS - ENTREVISTA A ÂNGELA ROCHA
 

2023-05-20


FEIOS, PORCOS E MAUS: UMA CONVERSA SOBRE A FAMÍLIA
 

2023-05-03


UMA TERRA QUE TREME E UM MAR QUE GEME
 

2023-03-23


SOBRE A PARTILHA DO PROCESSO CRIATIVO
 

2023-02-22


ALVALADE CINECLUBE: A PROGRAMAÇÃO QUE FALTAVA À CIDADE
 

2023-01-11


'CONTRA O MEDO' EM 2023 - ENTREVISTA COM TEATROMOSCA
 

2022-12-06


SAIR DE CENA – UMA REFLEXÃO SOBRE VINTE ANOS DE TRABALHO
 

2022-11-06


SAMOTRACIAS: ENTREVISTA A CAROLINA SANTOS, LETÍCIA BLANC E ULIMA ORTIZ
 

2022-10-07


ENTREVISTA A EUNICE GONÇALVES DUARTE
 

2022-09-07


PORÉM AINDA. — SOBRE QUASE UM PRAZER DE GONÇALO DUARTE
 

2022-08-01


O FUTURO EM MODO SILENCIOSO. SOBRE HUMANIDADE E TECNOLOGIA EM SILENT RUNNING (1972)
 

2022-06-29


A IMPORTÂNCIA DE SER VELVET GOLDMINE
 

2022-05-31


OS ESQUILOS PARA AS NOZES
 

2022-04-28


À VOLTA DA 'META-PERSONAGEM' DE ORGIA DE PASOLINI. ENTREVISTA A IVANA SEHIC
 

2022-03-31


PAISAGENS TRANSDISCIPLINARES: ENTREVISTA A GRAÇA P. CORRÊA
 

2022-02-27


POÉTICA E POLÍTICA (VÍDEOS DE FRANCIS ALŸS)
 

2022-01-27


ESTAR QUIETA - A PEQUENA DANÇA DE STEVE PAXTON
 

2021-12-28


KILIG: UMA NARRATIVA INSPIRADA PELO LOST IN TRANSLATION DE ANDRÉ CARVALHO
 

2021-11-25


FESTIVAL EUFÉMIA: MULHERES, TEATRO E IDENTIDADES
 

2021-10-25


ENTREVISTA A GUILHERME GOMES, CO-CRIADOR DO ESPECTÁCULO SILÊNCIO
 

2021-09-19


ALBUQUERQUE MENDES: CORPO DE PERFORMANCE
 

2021-08-08


ONLINE DISTORTION / BORDER LINE(S)
 

2021-07-06


AURORA NEGRA
 

2021-05-26


A CONFUSÃO DE SE SER NÓMADA EM NOMADLAND
 

2021-04-30


LODO
 

2021-03-24


A INSUSTENTÁVEL ORIGINALIDADE DOS GROWLERS
 

2021-02-22


O ESTRANHO CASO DE DEVLIN
 

2021-01-20


O MONSTRO DOS PUSCIFER
 

2020-12-20


LOURENÇO CRESPO
 

2020-11-18


O RETORNO DE UM DYLAN À PARTE
 

2020-10-15


EMA THOMAS
 

2020-09-14


DREAMIN’ WILD
 

2020-08-07


GABRIEL FERRANDINI
 

2020-07-15


UMA LIVRE ASSOCIAÇÃO DO HERE COME THE WARM JETS
 

2020-06-17


O CLASSICISMO DE NORMAN FUCKING ROCKWELL!
 

2019-07-31


R.I.P HAYMAN: DREAMS OF INDIA AND CHINA
 

2019-06-12


O PUNK QUER-SE FEIO - G.G. ALLIN: UMA ABJECÇÃO ANÁRQUICA
 

2019-02-19


COSEY FANNI TUTTI – “TUTTI”
 

2019-01-17


LIGHTS ON MOSCOW – Aorta Songs Part I
 

2018-11-30


LLAMA VIRGEM – “desconseguiste?”
 

2018-10-29


SRSQ – “UNREALITY”
 

2018-09-25


LIARS – “1/1”
 

2018-07-25


LEBANON HANOVER - “LET THEM BE ALIEN”
 

2018-06-24


LOMA – “LOMA”
 

2018-05-23


SUUNS – “FELT”
 

2018-04-22


LOLINA – THE SMOKE
 

2018-03-17


ANNA VON HAUSSWOLFF - DEAD MAGIC
 

2018-01-28


COUCOU CHLOÉ
 

2017-12-22


JOHN MAUS – “SCREEN MEMORIES”
 

2017-11-12


HAARVÖL | ENTREVISTA
 

2017-10-07


GHOSTPOET – “DARK DAYS + CANAPÉS”
 

2017-09-02


TATRAN – “EYES, “NO SIDES” E O RESTO
 

2017-07-20


SUGESTÕES ADICIONAIS A MEIO DE 2017
 

2017-06-20


TIMBER TIMBRE – A HIBRIDIZAÇÃO MUSICAL
 

2017-05-17


KARRIEM RIGGINS: EXPERIÊNCIAS E IDEIAS SOBRE RITMO E HARMONIAS
 

2017-04-17


PONTIAK – UM PASSO EM FRENTE
 

2017-03-13


TRISTESSE CONTEMPORAINE – SEM ILUSÕES NEM DESILUSÕES
 

2017-02-10


A PROJECTION – OBJECTOS DE HOJE, SÍMBOLOS DE ONTEM
 

2017-01-13


AGORA QUE 2016 TERMINOU
 

2016-12-13


THE PARKINSONS – QUINZE ANOS PUNK
 

2016-11-02


patten – A EXPERIÊNCIA DOS SENTIDOS, A ALTERAÇÃO DA PERCEPÇÃO
 

2016-10-03


GONJASUFI – DESCIDA À CAVE REAL E PSICOLÓGICA
 

2016-08-29


AGORA QUE 2016 VAI A MEIO
 

2016-07-27


ODONIS ODONIS – A QUESTÃO TECNOLÓGICA
 

2016-06-27


GAIKA – ENTRE POLÍTICA E MÚSICA
 

2016-05-25


PUBLIC MEMORY – A TRANSFORMAÇÃO PASSO A PASSO
 

2016-04-23


JOHN CALE – O REECONTRO COM O PASSADO EM MAIS UMA FACE DO POLIMORFISMO
 

2016-03-22


SAUL WILLIAMS – A FORÇA E A ARTE DA PALAVRA ALIADA À MÚSICA
 

2016-02-11


BIANCA CASADY & THE C.I.A – SINGULARES EXPERIMENTALISMO E IMAGINÁRIO
 

2015-12-29


AGORA QUE 2015 TERMINOU
 

2015-12-15


LANTERNS ON THE LAKE – SOBRE FORÇA E FRAGILIDADE
 

2015-11-11


BLUE DAISY – UM VÓRTEX DE OBSCURA REALIDADE E HONESTA REVOLTA
 

2015-10-06


MORLY – EM REDOR DE REVOLUÇÕES, REFORMULAÇÕES E REINVENÇÕES
 

2015-09-04


ABRA – PONTO DE EXCLAMAÇÃO, PONTO DE EXCLAMAÇÃO!! PONTO DE INTERROGAÇÃO?...
 

2015-08-05


BILAL – A BANDEIRA EMPUNHADA POR QUEM SABE QUEM É
 

2015-07-05


ANNABEL (LEE) – NA PRESENÇA SUPERIOR DA PROFUNDIDADE E DA EXCELÊNCIA
 

2015-06-03


ZIMOWA – A SURPREENDENTE ORIGEM DO FUTURO
 

2015-05-04


FRANCESCA BELMONTE – A EMERGÊNCIA DE UMA ALMA VELHA JOVEM
 

2015-04-06


CHOCOLAT – A RELEVANTE EXTRAVAGÂNCIA DO VERDADEIRO ROCK
 

2015-03-03


DELHIA DE FRANCE, PENTATONES E O LIRISMO NA ERA ELECTRÓNICA
 

2015-02-02


TĀLĀ – VOLTA AO MUNDO EM DOIS EP’S
 

2014-12-30


SILK RHODES - Viagem no Tempo
 

2014-12-02


ARCA – O SURREALISMO FUTURISTA
 

2014-10-30


MONEY – É TEMPO DE PARAR
 

2014-09-30


MOTHXR – O PRAZER DA SIMPLICIDADE
 

2014-08-21


CARLA BOZULICH E NÓS, SOZINHOS NUMA SALA SOTURNA
 

2014-07-14


SHAMIR: MULTI-CAMADA AOS 19
 

2014-06-18


COURTNEY BARNETT
 

2014-05-19


KENDRA MORRIS
 

2014-04-15


!VON CALHAU!
 

2014-03-18


VANCE JOY
 

2014-02-17


FKA Twigs
 

2014-01-15


SKY FERREIRA – MORE THAN MY IMAGE
 

2013-09-24


ENTRE O MAL E A INOCÊNCIA: RUTH WHITE E AS SUAS FLOWERS OF EVIL
 

2013-07-05


GENESIS P-ORRIDGE: ALMA PANDRÓGINA (PARTE 2)
 

2013-06-03


GENESIS P-ORRIDGE: ALMA PANDRÓGINA (PARTE 1)
 

2013-04-03


BERNARDO DEVLIN: SEGREDO EXÓTICO
 

2013-02-05


TOD DOCKSTADER: O HOMEM QUE VIA O SOM
 

2012-11-27


TROPA MACACA: O SOM DO MISTÉRIO
 

2012-10-19


RECOLLECTION GRM: DAS MÁQUINAS E DOS HOMENS
 

2012-09-10


BRANCHES: DOS AFECTOS E DAS MEMÓRIAS
 

2012-07-19


DEVON FOLKLORE TAPES (II): SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA COM DAVID CHATTON BARKER
 

2012-06-11


DEVON FOLKLORE TAPES - PESQUISAS DE CAMPO, FANTASMAS FOLCLÓRICOS E LANÇAMENTOS EM CASSETE
 

2012-04-11


FC JUDD: AMADOR DA ELETRÓNICA
 

2012-02-06


SPETTRO FAMILY: OCULTISMO PSICADÉLICO ITALIANO
 

2011-11-25


ONEOHTRIX POINT NEVER: DA IMPLOSÃO DOS FANTASMAS
 

2011-10-06


O SOM E O SENTIDO – PÁGINAS DA MEMÓRIA DO RADIOPHONIC WORKSHOP
 

2011-09-01


ZOMBY. PARA LÁ DO DUBSTEP
 

2011-07-08


ASTROBOY: SONHOS ANALÓGICOS MADE IN PORTUGAL
 

2011-06-02


DELIA DERBYSHIRE: O SOM E A MATEMÁTICA
 

2011-05-06


DAPHNE ORAM: PIONEIRA ELECTRÓNICA E INVENTORA DO FUTURO
 

2011-03-29


TERREIRO DAS BRUXAS: ELECTRÓNICA FANTASMAGÓRICA, WITCH HOUSE E MATER SUSPIRIA VISION
 

2010-09-04


ARTE E INOVAÇÃO: A ELECTRODIVA PAMELA Z
 

2010-06-28


YOKO PLASTIC ONO BAND – BETWEEN MY HEAD AND THE SKY: MÚLTIPLA FANTASIA EM MÚLTIPLOS ESTILOS