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O “PERÍODO RELIGIOSO” EM QUE SALVADOR DALÍ CONHECEU O PAPA

2025-10-01




"Nunca conheças os teus heróis" é um velho ditado, mas aparentemente a estrela surrealista Salvador Dalí nunca lhe deu grande importância. De facto, mesmo após um encontro decepcionante com o pai da psicanálise, procurou e conseguiu uma audiência com uma autoridade muito superior: o chefe da Igreja Católica global.

Em 1938, o artista conheceu Sigmund Freud, o pioneiro da mente inconsciente que foi praticamente canonizado nos círculos surrealistas, mas o tão esperado encontro deixou-o indiferente. Freud pareceu perplexo com Dalí, e o artista ficou irritado por Freud não ter prestado atenção a um artigo de revista que tinha escrito sobre a paranóia.

Pouco mais de uma década depois, o artista preparou-se para conhecer outro homem que se tornara um herói para si: o Papa Pio XII.

Em 1949, Dalí recebeu uma audiência privada com o Papa, em Roma. Durante a visita, Dalí mostrou a Sua Santidade uma pequena versão daquela que viria a ser a sua "Madona de Port Lligat" (1950), com a sua esposa Gala a posar como a Virgem Maria. O Papa "aceitou a sinceridade da peregrinação de Dalí e abençoou a obra", segundo um investigador. Dalí tinha entrado no seu "Período Religioso" no ano anterior, tendo regressado de Nova Iorque ao seu país natal, Espanha, em 1948, e anunciado publicamente a sua readopção da fé católica que a mãe lhe tinha inculcado. É claro que praticava à sua maneira: em 1950, auto-intitulou-se um "católico sem fé".

Ainda antes da sua conversão, Dalí tinha escrito sobre a sua crença na "força" do catolicismo. Após a sua mudança, o estilo e os temas das suas obras mudaram, refletindo a sua transformação espiritual. Naquilo a que chamou a sua era do "Misticismo Nuclear", Dalí combinava a iconografia cristã com referências à física nuclear, fragmentando frequentemente os seus temas como átomos partidos. Na sua audiência com o Papa, o artista disse que a sua obra, até então, tinha sido "frívola" e que agora se dedicava inteiramente à arte religiosa.

O encontro de Dalí com o Papa foi polémico. Foi a gota de água para o líder surrealista André Breton, que há muito se digladiava com Dalí por divergências sobre o lugar da política no Surrealismo. A religião organizada, da mesma forma, não tinha lugar na ideologia surrealista. Por esta altura, Breton atribuiu ao artista espanhol — que acreditava cobiçar excessivamente a fama e a fortuna — um novo apelido anagramático, "Avida Dollars", que em francês fazia lembrar as palavras "ávido por dólares". Fora do mundo da arte, alguns católicos consideraram a recepção de Dalí pelo Papa praticamente uma blasfémia.

Mas Dalí não se deslocou a Roma apenas para mostrar a sua obra ao Papa Pio XII; também veio pedir um favor. Quando conheceu Dalí, Gala já estava casada com o poeta surrealista Paul Éluard. Ela e Dalí viviam juntos desde o divórcio dela, em 1929, e casaram-se pelo civil cinco anos depois. Mas, para ter a cerimónia de casamento católica que desejavam, o casal precisava que o Papa concedesse à Gala a anulação oficial do seu primeiro casamento. O Papa Pio XII aparentemente negou o pedido, e seriam necessários mais nove anos para que fosse concedido (sete anos após a morte de Éluard), após o que o casal pôde voltar a casar numa pequena cerimónia católica em Espanha.


Fonte: Artnet News