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A DESCOBERTA CIENTÍFICA QUE REVOLUCIONOU A ARTE DE GUSTAV KLIMT

2025-02-14




Em 1901, o parlamento austríaco convocou o seu primeiro debate cultural. O tema eram as enormes pinturas alegóricas que Gustav Klimt tinha sido contratado para pintar para o teto do salão de festivais da Universidade de Viena. “Sessão oficial de indignação” pode descrever com mais precisão a ocasião que canalizou a fúria pública e viu apenas o ministro da educação sair em defesa de Klimt.

Porquê toda esta raiva? Mais imediatamente porque as três pinturas eram experimentais, profanas e estranhas. As obras eram assimétricas, repletas de corpos sensuais e lânguidos, juntamente com tentáculos de polvos e cobras, esqueletos e esfinges. Klimt foi encarregado de criar imagens idealizadas de Filosofia, Medicina e Jurisprudência. Ele recusou, oferecendo impressões abstratas.

O golpe final ocorreu mais tarde nesse ano, quando a proposta de Klimt para a cátedra na Academia de Belas Artes foi rejeitada pelo governo. Não que o natural de Viena quisesse o cargo; pagou a sua comissão mais tarde dizendo à jornalista e amiga Berta Zuckerkandl: “Recuso qualquer ajuda do estado, renuncio a tudo”.

Apesar destes protestos, Klimt continuou a trabalhar numa cidade governada pelo conservadorismo e pela censura. Uma forma pela qual Klimt contornou estas restrições e se manteve inovador foi através da utilização de imagens das últimas novidades em investigação científica.

Quatro décadas depois das experiências de Gregor Mendel com ervilhas, as bases para a ciência das células e da genética estavam a ser formadas. Klimt estava obcecado. Em Viena, a arte e a ciência misturavam-se, em parte através de salões que reuniam artistas, intelectuais e académicos.

Naqueles realizados por Zuckerkandl, juntamente com o seu marido Emil, titular da Cátedra de Anatomia e Patologia da Universidade de Viena, os participantes receberam um curso intensivo sobre as últimas descobertas biológicas. Gustav Mahler compareceu, assim como Max Reinhardt e Hans Przibram, que dirigia um laboratório de biologia experimental na cidade. Nas suas memórias, Zuckerkandl escreveu sobre encontros noturnos em que professores como Przibram partilhavam diapositivos das “maravilhas microscópicas dos vasos sanguíneos, da epiderme, das artérias e dos neurónios cerebrais”.

Klimt era um bom aluno. Leu “A Origem das Espécies” (1859), de Charles Darwin, e assistiu às conferências de Carl von Rokitansky, o visionário reitor da Escola de Medicina de Viena. A ideia inovadora de Rokitansky era que, no que diz respeito à saúde, o passado afetava o presente e para encontrar a verdade médica “é preciso ir bem abaixo da pele”. Para a ciência, isto significava descer ao nível microscópico para compreender a superfície. Klimt pegou nesta ideia e incorporou-a nas suas pinturas.

Está presente em “A Árvore da Vida” (1909), com células ovulares a subirem do solo até ao tronco da árvore — o próprio motivo que representa a evolução de todas as formas de vida na Terra. As células aparecem em “Portrait of Adele Bloch-Bauer” (1907) a emergir dos turbilhões de ouro para se transformarem no ar que a modelo respira. O mesmo acontece com “The Kiss” (1908), com o corpo da mulher salpicado de formas celulares de cores diferentes — um artigo de investigação vê glóbulos vermelhos e aponta para as ilustrações microscópicas do naturalista Ernst Haeckel que Klimt provavelmente viu.

Na verdade, torna-se difícil ver os círculos de Klimt como algo mais do que uma evidência do seu profundo interesse pelo microscópico. “Danaë” (1907) oferece talvez a evidência mais convincente. No mito grego, o rei Akrisios de Argos fecha a sua filha numa câmara de bronze temendo o cumprimento da profecia de que seria morto pelo seu neto.

Klimt capta o momento em que Dânae é visitada por Zeus, que surge como uma chuva de moedas de ouro. O rei dos deuses é irreprimível e potente e por isso Klimt marca o vestido roxo de Danaë com formas ovalóides cheias de linhas onduladas. São blastocistos, aglomerados de células em divisão feitos por um óvulo fertilizado, uma fase inicial de um embrião que Klimt encontrou através do trabalho de Przibram.

É a prova não só de que Danaë está grávida e de que a profecia está viva e de boa saúde, mas também de que Klimt pode contornar a censura nos assuntos mais delicados — com uma pequena ajuda da ciência.


Fonte: Artnet News