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FEIRA DE ARTEPARIS PHOTO 2024GRAND PALAIS Avenue Winston Churchill 75008 Paris 07 NOV - 10 NOV 2024 A fotografia está bem, e recomenda-se!
O Paris Photo, não é só o maior e mais importante salão internacional dedicado à fotografia, reunindo um público diversificado de artistas, galerias, colecionadores, curadores e entusiastas da arte. É, em grande parte, uma excelente montra de tendências estéticas contemporâneas, onde têm lugar novas narrativas conceptuais. Entre 7 e 10 de novembro, teve lugar a 27ª edição desta feira, no icónico Grand Palais (um retorno esperado após 3 anos de obras) com uma missão recorrente: receber as melhores galerias, em que, para além dos ‘clássicos’, se dá destaque a artistas emergentes, a par de valores com um percurso firmado, mas ainda por conhecer.
Os números Com mais de 200 expositores de todo o mundo, entre galerias, museus, instituições, 45 editoras, e 80.000 visitantes (23% a mais do que a edição de 2023), o Paris Photo apresenta um programa que inclui trabalhos que vão desde os grandes mestres da fotografia histórica até às abordagens contemporâneas mais arrojadas, em que, por exemplo a mix media (fotografia, pintura, colagem), têm uma presença cada vez mais proeminente. Além das dezenas de ‘exposições’ que o visitante pode desfrutar ou percorrer o salão, tiveram lugar inúmeras palestras e mesas-redondas com artistas, curadores e críticos de arte, mais de 400 sessões de autógrafos com fotógrafos renomados (Don McCullin, Susan Meiselas, Martin Parr, Paolo Roversi, Sophie Calle, Jane Evelyn Atwood, Todd Hido, Joan Fontcuberta e Harry Gruyaert, entre muitos outros), e artistas de todas as tendências criativas. A edição deste ano apresenta cinco ‘secções’: o sector principal, com 147 galerias, situado na nave do Grand Palais, e onde se apresentam projectos e instalações que combinam grandes nomes da fotografia com as novas participações internacionais; o sector digital, com 15 galerias de arte contemporânea com curadoria na ‘avant-garde’ das novas tecnologias, e em que são exibidos trabalhos de artistas que utilizam proficuamente o digital no seu trabalho; o novo sector ‘Voices’, dedicado a projectos centrados em temas contemporâneos; o sector ‘Emergence’, com 23 projectos monográficos do panorama mais criativo da cena artística contemporânea; e finalmente o sector das editoras.
Iniciativas relevantes Elles × Paris Photo, é um projecto que apresenta o trabalho de mulheres fotógrafas, e que tem como curadora Raphaëlle Stopin, diretora do Centre Photographique Rouen Normandie. Organizada em colaboração com o Ministério da Cultura este programa visa destacar as mulheres nas artes e na cultura, que ajudou a aumentar de 20% para 38%, a representação de mulheres artistas no Salão. Os prémios Paris Photo-Aperture, que desde 2012 celebram a contribuição do livro fotográfico para a narrativa em evolução da fotografia. Finalmente o Carte Blanche Students, um projeto da Paris Photo, SNCF Gares & Connexions e Picto Foundation que visa distinguir os melhores trabalhos através da selecção de quatro estudantes num universo de 100 escolas de artes.
Paris, 2024. © Paulo Roberto
Mergulhar em Paris Desde os anos 1980’s comecei a visitar assiduamente o Mois de la Photo, um festival bienal realizado em Novembro, e que congrega em Paris dezenas de galerias (nas últimas edições chegaram a ultrapassar-se as 100). São precisos vários dias para visitar, nos vários quartiers, as muitas exposições selecionadas, mas ao mesmo tempo, podemos desfrutar de uma cidade que, na minha opinião, não deixa nenhum amante da fotografia indiferente [‘vejo’ Paris a preto e branco, sem conseguir desligar-me mentalmente dos Doisneaus, Bressons, e Riboud’s que a eternizaram]. Respirava-se fotografia por todo o lado, desde os cartazes em bistrots ou pequenos comércios a anunciar exposições de bairro, até aos grandes museus em que se exibiam enormes mostras e retrospectivas. Independentemente de a fotografia ter nascido em França, este país tem um carinho especial pela imagem fixa, é um facto (durante décadas, tiveram lugar neste país os maiores festivais, e eventos fotográficos como os Rencontres d'Arles ou o Visa pour l'image, de Perpignan). Paris alberga desde 1996 o conhecido museu MEP - Maison Européenne de la Photographie, dedicado em exclusivo à fotografia, e que exibe em média, além de outras iniciativas, cerca de 30 exposições por ano. Estamos, pois, na capital universal da fotografia. Enquanto fotógrafo e professor de fotografia, considero que Paris se distancia largamente de Nova Iorque, Berlim ou Londres.
Mas isto é fotografia? O Paris Photo é o exemplo maior da diversidade criativa: desde a fotografia documental até à fotografia mais conceptual, passando pelo uso de materiais de impressão e finalização menos comuns, podemos usufruir de centenas de obras artísticas impactantes, outras surpreendentes e algumas até estranhamente ‘diferentes’. Aqui cabe referir por exemplo o trabalho de Niccolò Montesi, representado pela Bendana/Pinel, que usa com mestria, nas suas imagens de ‘arquitectura’, a impressão em papel de algodão, um material que oferece alta qualidade para capturar detalhes visuais e texturas. Quase que percepcionamos um acabamento pintado directamente na superficie impressa. Outro trabalho que me tocou esteticamente é a série ‘still lifes’ do norte-americano Christian Patterson. O seu trabalho ultrapassa a vulgar composição da natureza morta, indo muito para lá duma narrativa simplista. O seu trabalho conjuga um jogo de luz fabuloso que muitas vezes carrega um sentido de mistério e adiciona uma interpretação muito pessoal dos objectos fotografados. Realçamos também o fantástico trabalho da iraniana Gohar Dashti. Fotógrafa, videógrafa e artista visual, Dashti tem desenvolvido projectos de grande formato que retratam a realidade das suas próprias experiências pessoais. Impressionou-nos por exemplo a série Home, em que Dashti fotografa as paisagens de forma exuberante e “que incitam a questões sobre o imenso, variado e fronteiriço alcance da natureza”. Ilona Langbroek apresenta a série “Silent Loss”, baseada na história da sua família nas antigas Índias Orientais Holandesas. A artista retrata a experiência de um tempo num país distante, quase mágico, e de uma vida que já não existe. São paisagens com uma atmosfera de uma desconcertante nostalgia, mas ao mesmo tempo de uma certa beleza subtilmente presente, “utilizando um forte contraste entre o claro e o escuro, para criar uma zona de crepúsculo (twilight zone) como metáfora do passado em vias de desaparecimento.” Dos ‘clássicos’ referimos Jerry Schatzberg, conhecido fotógrafo e cineasta americano (Pânico em Needle Parc, 1971, entre outros). Schatzberg, considerado um dos maiores cronistas visuais do seu tempo, cuja carreira como fotógrafo abrangeu várias décadas (1960’s a 1980’s), mostra na in camera galerie algumas das suas imagens mais icónicas. O seu trabalho inclui retratos de figuras famosas da cultura pop como Bob Dylan, The Rolling Stones e Faye Dunaway. “Os seus retratos estão impregnados com aquela carga de Rapport, a misteriosa harmonia entre o artista e o fotografado, que traz à tona o lado suave e anti-superficial deste último.” Finalmente realçamos o trabalho digital de Zach Lieberman, baseado em Nova Iorque. Impressionou-nos a estética ‘caótica’ de Lieberman. Embora possamos considerar que o seu trabalho sai dos cânones da fotografia, dado que é completamente gerado em computador, não deixa de, enquanto arte visual, ser interessante. “O meu foco principal é como a computação pode ser usada como meio para a poesia.”
Resumindo e concluindo Confesso que – talvez pelo facto de desde 2019 não visitar o Paris Photo – as minhas expectativas quanto a uma possível ‘banalização’ do uso da IA (inteligência artificial) por muitos fotógrafos-artistas se tornasse moda. Embora a organização do salão tenha criado o sector digital (com 15 galerias em 195) tornou-se óbvio que os colecionadores e o público se interessam pelo trabalho criado por artistas humanos, visualmente idêntico à fotografia, em detrimento do trabalho mais digital, muitas vezes associado ao abstracionismo. Aliás, foi interessante ver as galerias que exibiam os ‘clássicos’ (Martin Parr, Andreas Gursky, Erwin Olaf, só para citar alguns exemplos) apinhadas de visitantes, enquanto as galerias que mostravam os trabalhos mais experimentais (incluindo alguns trabalhos unicamente digitais e de IA) tinham reduzida afluência. Na minha tese de mestrado (“Somos Todos Artistas? A Inteligência Artificial, a fotografia e as artes: a morte anunciada da criatividade humana?”) coloco em causa a sustentabilidade da substituição da criatividade artística humana pela máquina, em que no caso da fotografia a questão passa pelo uso de ferramentas digitais versus a substituição ‘total’ de humanos por algoritmos e bases de dados.
Paulo Roberto
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