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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição "soluços sussurros labaredas" de Susana Chiocca, 2023, Espaço MIRA. © Espaço MIRA


Vista da exposição "soluços sussurros labaredas" de Susana Chiocca, 2023, Espaço MIRA. © Susana Chiocca


Vista da exposição "soluços sussurros labaredas" de Susana Chiocca, 2023, Espaço MIRA. © Espaço MIRA


Vista da exposição "soluços sussurros labaredas" de Susana Chiocca, 2023, Espaço MIRA. © Espaço MIRA


Liberação (2023) de Susana Chiocca. Exposição "soluços sussurros labaredas", 2023, Espaço MIRA. © Susana Chiocca


Vista da exposição "soluços sussurros labaredas" de Susana Chiocca, 2023, Espaço MIRA. © Susana Chiocca


Os búzios (2023), de Susana Chiocca. Exposição "soluços sussurros labaredas", 2023, Espaço MIRA. © Susana Chiocca


Os búzios (2023), de Susana Chiocca. Exposição "soluços sussurros labaredas", 2023, Espaço MIRA. © Espaço MIRA


porque te vejo (2023), de Susana Chiocca. Exposição "soluços sussurros labaredas", 2023, Espaço MIRA. © Espaço MIRA


Vista da exposição "soluços sussurros labaredas" de Susana Chiocca, 2023, Espaço MIRA. © Espaço MIRA

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ARQUIVO:


SUSANA CHIOCCA

SOLUÇOS SUSSURROS LABAREDAS




ESPAÇO MIRA
Rua de Miraflor n.º 159
4300-334, Campanhã, Porto

04 NOV - 16 DEZ 2023


 

A prática artística de Susana Chiocca tem sempre o dom de convocar o desbravamento, no sentido em que é a partir de um solo aparentemente rarefeito que a fertilidade surge. Não foi certamente por acaso que a primeira palavra que ouvi assim que abri a porta do Espaço Mira foi “nascimento”, proclamada por José Maia, curador da exposição, no dia da inauguração. Em simultâneo, embati com o cheiro eclesiástico a incenso. Voltei por momentos à claridade matinal das missas, vinda do clerestório das igrejas, em dia de procissão. O alto. Olha-se para cima, onde estão desenhos ao longo da sala. Rapidamente percebe-se que a incensação do espaço faz a reverência a um corpus igualmente abstrato, mas nunca fisicamente desconhecido: o nosso corpo e tudo o que de natural participa nele.

Esse ápice de claridade é substituído por um espaço banhado a vermelho. Sem dúvida que a luz ativa uma atmosfera sensual inerente. No entanto, a luz vermelha aproxima-se mais da luz de segurança dos estúdios de fotografia do que daquela associada ao erotismo dos devaneios. Ao longo da exposição, sentimos as imagens na reserva (na ânsia) de se revelarem ao outro, e “na espera / vão-se destilando desejos” (porque te vejo, 2023). Não se discerne a cor púrpura, o castanho, o verde, (o prateado?), na maior parte das obras sob o imaterial vermelho da luz. Brilhante e negro convivem nos seus instantes monocromáticos, sussurrando possíveis cores. As obras nunca se revelam completamente na sua realidade cromática nem tão pouco na sua intenção poética. Conforme Chiocca apresenta no seu site [1], a invisibilidade é um conceito essencial para pensar o corpo de trabalho que tem vindo a produzir, e tal revê-se no uso de materiais plásticos que disputam entre si a atenção do espectador.

Segundo Eduarda Neves na folha de sala, Chiocca enuncia “os esquemas inconscientes através dos quais percepcionamos o mundo natural e social” [2]. Nesta mostra, fá-lo de um modo íntimo em comparação com o carácter sinfónico e altifalante que impõe nas suas performances mais recentes. Sem o seu movimento ou presença, os trabalhos parecem aguardar pelo momento em que vão ser ligados.

As obras situam-se entre a violência e a brandura do que é, no fundo, a entrega ao amor, ao sexo. Seja para combater como para ceder, é preciso ser bravo. Em dois sentidos elas permanecem: num estado caótico, desarrumado, resultante do estouro de um peito mudo - outras falas (2023), nascimento (2023), liberação (2023), desapareço (2023). O cartão enquanto suporte e matéria do desenho reivindica o desgaste e o descarte de estruturas aparentemente sólidas, mas indubitavelmente imprevisíveis na queda (i.e as emoções); e num estado de limpeza clínica que deixa só um traço ou uma mancha a brilhar (a arder), num vazio sem alicerces. Pressinto (2020-2021), cinco desenhos minimais sobre tecido, pendem como estandartes: mais do que cicatrizes, são feridas sem cura que reconhecem que “o prazer é uma dor domada” [3].

 

Os búzios (2023), de Susana Chiocca. Exposição "soluços sussurros labaredas", 2023, Espaço MIRA. © Espaço MIRA

 

Estampado em todas as obras como um grafito ou um amuleto, está a forma do olho. A forma elíptica com terminações bicudas também é uma vulva, uma folha, um búzio, uma amêndoa, uma ponta de lança, uma ferida, uma chama, um astro. A sua simplicidade formal tem o poder de se tornar um sinal para que não nos esforcemos a encontrar uma explicação para o que atentamos. O que diz John Berger no capítulo inicial de Modos de Ver não está longe do que aqui acontece: “Pouco depois de termos começado a ver, tomamos consciência de que também podemos ser vistos. O olho do outro combina-se com o nosso próprio olho de modo que sermos parte do mundo visível se torne inteiramente credível” [4].

Apesar do compromisso claro com o desenho, o som e a performance - indissociáveis da prática de Chiocca - não podiam estar divorciados desta exposição. Em Liberação (2023), instalação-vídeo, folhas de papel com olhos desenhados, carvão aos montinhos e dois pilares cobertos de tecido queimam no fogo que o vídeo projeta. Os olhos são as brasas que atiçam a loucura. A projeção do conjunto na parede relembra a máscara de BITCHO (2012-…), figura encarnada por Susana em performances recorrentes, e que é uma “figura ambígua, meio ancestral com um híbrido folk” [5] que se questiona sobre a vivência na atualidade nas suas mutações biológicas, tecnológicas e políticas. É assim difícil nomear ou definir um corpus específico no trabalho que Chiocca nos dá a ver. A palavra inteiro é a única que me ocorre quando penso nele. Susana fala de si para falar dos outros, e fala dos outros para falar de si, em qualquer medium. Ela quer-se inteira e livre no entrudo que é viver.

Labaredam-se (2023), instalação sonora que nos recebe e acompanha em todo o percurso, dá voz a essa inteireza num tom “homilíaco” que relembra o dever de ouvir (ou calar). Com o intuito de nos inflamar o espírito, somos guiados pela insubmissão da palavra dita e pelo caminho incerto das ações: “sempre me recusei a arder como os outros. Ardam-se mais à esquerda ou mais à direita (…) sejam fogos que ardam (…)”. A sua voz nada tem de sussurro ou soluço. No final do percurso, são búzios (2023) que aparecem como um altar iluminado. A estratégia inverte-se: o estouro faz-se recolha. Apesar de nenhum áudio lhes ser instalado, os desenhos evocam esse recôndito som vindo das profundezas do ser, preso na segurança de um interior afunilado. Os búzios têm um condão mágico de nos transportar a uma idade cheia de sonhos, em que nos julgamos especiais por ter encontrado um portal que dá acesso a um lugar longínquo e imenso, e tê-lo ali mesmo junto ao nosso ouvido.

Um foco azulado ilumina “a loucura de um / pensamento / quebrado / em dois” [6] dos tecidos sobrepostos que compõem a série pressinto. O mistério da exposição reside nessa luz fria que (inter)rompe o espaço febril como um fogo-fátuo: “porque a cura vai na mesma direção que a nossa febre” (labaredam-se, 2023).
Até 16 de Dezembro.

 

 

 

Cláudia Handem
(n. 1992, Murtosa) Licenciada e mestre em Arquitetura pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, e licenciada em Artes Plásticas - Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Desenvolve prática artística no campo do desenho e da pintura, e escreve, de forma independente, sobre exposições de arte.

 

 

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Notas


[1] Website Susana Chiocca.
[2] Eduarda Neves, “Um par de olhos vazios, quase falso”, Folha de sala.
[3] Dulce Maria Cardoso, “Líquida, Esvaziando-me”, Autobiografia Não Autorizada, Lisboa: Edições Tinta-da-china, 2021, p.57.
[4] John Berger, Modos de ver, Lisboa: Antígona, 2018, p.18.
[5] BITCHO é um projeto coletivo com contou com a colaboração de Sílvio Almeida, Maria João Silva, Luca Argel, Filipe Silva, Albrech Loops, e atualmente com Luís Figueiredo.
[6] Verso do poema que compõe a obra porque te vejo (2023).

 

 



CLÁUDIA HANDEM