COLECTIVAEsquece, Porque eu já Esqueci TudoBIBLIOTECA DE MARVILA Rua António Gedeão 24 NOV - 09 JAN 2024 INAUGURAÇÃO: 23 de Novembro às 18h30 no Biblioteca de Marvila Curadoria: Orlando Franco ::: A exposição Esquece, porque eu já esqueci tudo 1 toma emprestado um excerto de um poema de Maria Zambrano, que nos surpreende com uma árvore do esquecimento reveladora de que apenas nos resta o inevitável presente. No presente, temos a frágil possibilidade ou impossibilidade de esquecer ou lembrar. Nem sempre temos domínio sobre qualquer uma destas ações. A exposição propõe-nos um desafio de procura. Procurar, a partir da contingência do presente, os vestígios do passado e a mancha do futuro. Esquece, porque eu já esqueci tudo reúne e apresenta em diálogo quatro projetos das fotógrafas Beatriz Banha, Isabel Dantas dos Reis, Luana Moreno e Maria Judas. Tendo o meio fotográfico enquanto território plástico e poético de exploração, estes projetos operaram como veículos (experimentam um movimento) de resistência ao esquecimento. As autoras mergulharam no universo das suas próprias famílias em busca de referências que pudessem a todo custo fintar o esquecimento. Todas elas sabem que isso significa a construção de uma memória ou, na ausência de melhor termo, a elaboração de uma narrativa ficcional dominada pelo imaginário. No diálogo entre estas quatro obras encontramos um carrossel (vai-e-vem) que balanceia entre presenças e ausências, essa dolorosa dicotomia que espreita todo o território familiar. Uma das zonas de contacto entre estas quatro obras é a polarização de sentimentos que vai do desgaste relacional provocado pelo quotidiano, ao doloroso resgate da sua memória aquando da sua ausência. O meio e a linguagem fotográfica são, conjuntamente, um pretexto e uma necessidade de poder aumentar a empaDa pelo outro. Este exercício de olhar para o lugar do outro resulta inevitavelmente num processo dissociativo que se torna revelador das suas próprias identidades. Uma forma de auto-retrato ou um jogo arriscado com o espelho? Individualmente, cada uma das autoras procurou isso, assumindo o envolvimento emocional necessário, ainda que, com opções metodológicas distintas. Observamos uma, ainda que difusa, divisão entre as vivências do quotidiano marcadas pelo fortalecimento e, por vezes, pela deterioração das relações, ou a pesquisa de memórias e arquivos por meio de estórias, vestígios ou documentos. O conjunto fotográfico de Beatriz Banha intitulado There is nothing old under the Sun (2020-21) é um projeto que se desenha e constrói durante os confinamentos provocados pela pandemia (Covid-19). O título da obra remete para um entendimento do tempo que se dilata na lentidão, uma morosidade provocada. Utilizando uma prática de diário fotográfico, Beatriz foi registando gestos, objetos, ambientes, emoções e expressões enquanto vivia com os avós. Foi uma convivência provocada pelo contexto planetário da época, que apesar de não ter sido planeada, veio a verificar-se como uma experiência fundamental. A escolha de trabalhar com película acentuou a lentidão que todo o processo do projeto reclamava. 1 Extraído do poema 2 (p. 4) do livro Poemas de Maria Zambrano, traduzido por Ricardo Ribeiro e editado em 2020 pela Sr. Teste. No projeto Searching in the chest of affection (2022), Maria Judas recorre às memórias da infância para re-construir uma composição com a forma de constelação de imagens. Esta narrativa visual, de natureza poética, aborda a temática do crescimento como fenómeno que nos invade de incertezas. Mais do que questionar sobre como é ser adulto, é o terror de não poder continuar a ser criança. A infância enquanto marca da liberdade nos afetos e nas relações, que se vai redefinindo constantemente, através do caminho das dúvidas, traça o percurso na passagem da adolescência para o estado de adulto. O projeto de Luana Moreno Aurelina e Francisco (2020), constrói-se durante o período da pandemia (Covid-19) e os seus sucessivos confinamentos. No contexto das visitas regulares à casa dos avós, Luana inicia um projeto fotográfico, envolvendo-os como participantes, na criação de personagens e cenários, que devido às contingências, foram encenados e fotografados em ambiente doméstico. A casa dos avós transformou-se num estúdio, onde neta e avós passaram a viver o presente com uma forte intensidade relacional. Os sucessivos encontros, a pretexto do desenvolvimento do projeto, deram um rosto de ânimo e proximidade fundamental, afim de contornar o isolamento e a solidão. A parDr de referências (de Cindy Sherman a MarDn Parr), práticas e técnicas fotográficas, a autora levou a cabo um projeto que, a parDr e através, do meio e expressão fotográfica, foram driblando os efeitos do confinamento. A publicação Água a Ferver - vol. 1 (2023), de Isabel Dantas dos Reis, faz parte de um conjunto de pesquisas em torno do esforço que a imagem faz para resgatar do esquecimento o vestígio de pessoas que morreram. Esta publicação é composta por imagens fotográficas (fac-símile) que reproduzem página por página, um conjunto de receitas de culinária elaboradas pela sogra num outro tempo. Resgatar para o presente e dar-lhes um novo corpo é uma forma de repetir. A repetição ocorre neste projeto como meio de examinar, o que permite ainda que artificialmente, contornar o esquecimento total. Uma atitude que faz lembrar a luta da memória entre presente e passado de Krapp (peça teatral Krapps Laste Tape, de Samuel Beckett) e a sua astúcia em construir mnemónicas, que repete, repete, como um exercício que visa o resgate de algo que corre o risco de se extinguir. Orlando Franco, novembro de 2023 |