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One Ton Prop (House of Cards) (1969), Richard Serra.

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A utilização contínua de placas de aço e chumbo por Richard Serra levou-o a One Ton Prop (House of Cards), 1969, obra considerada central na história da arte: quatro placas usam o seu próprio peso para se segurarem umas às outras num castelo de cartas de chumbo. As propriedades da escultura (físicas e visuais), nomeadamente a gravidade, peso, equilíbrio, e outras, estão incorporadas no material; o processo está implícito na energia usada na composição da peça. O elemento de perigo também está presente na possibilidade de o castelo de cartas cair: em House of Cards o observador (o público) é mais alto do que as placas de 120 cm de altura e pode contorná-las, mas com algum cuidado de forma a não perturbar a peça.

As qualidades da escultura One Ton Prop (House of Cards) são suficientes para nos ensinar que a simplicidade é a essência da mestria exemplar de Richard Serra. A compreensão da arte, e do trabalho artístico, é essencial para revolucionarmos a vida e progredirmos.

A Arte não pode ser desligada da realidade

A maneira como actualmente continuamos a pensar a arte contemporânea (sinónimo de cultura) em Portugal já não é atractiva. É tempo de pensarmos o futuro da cultura com uma total mudança de mentalidade, que dissolva a inércia cultural e que destrua todas as relações e ou ligações desnecessárias ao progresso da arte contemporânea em Portugal; ligações, que na sua maioria se instalaram através de amizades e favores de quem nasce e se reproduz dentro de determinadas bolsas, que transcendem a arte. Temos de aprender a usar o mérito consistentemente, de maneira que o mundo da arte deixe de estar orientado sempre para os mesmos.

É prioritário convertermos o centro do interesse para o mérito - criar novas oportunidades - onde não conte de onde se vem, a posição social, a herança e o passaporte, para alcançar o sonho da arte – que o pensamento actual exige. Relevar o trabalho importante, em vez dos favores, é que deve dirigir toda a organização do sistema da arte contemporânea (sinónimo de cultura) como inspiração para a execução artística e impulso para transformar o dia a dia da vida, de forma que a arte seja de todos; finalmente, mencionar os problemas centrais da arte em Portugal não pode ser tabu, para esquecer o medo de ser prejudicado no quotidiano (a verdade é que o medo esconde as oportunidades de mudança). É fácil criticar a falta de acção dos outros, eu sei. Eu sei.

Mas, que desenvolvimento artístico teremos, se continuarmos a não prestar uma particular atenção à diversidade de ideias, à relação com o ‘outro’ (não há qualquer motivo para acreditarmos na realidade imutável das coisas num mapa de conhecimento em constante expansão): refiro-me à visão do mundo actual globalizado – novas relações sociais exigem novos espaços de liberdade e vice-versa – que nos traz novas identidades (mistura de uma série de culturas), e novas práticas para a construção da arte contemporânea à escala global.

Por exemplo: o impacto consistente na sociedade portuguesa da consciência/influência da complexa matriz híbrida luso-tropical (descendentes de africanos) - que inevitavelmente toma uma vantajosa largura de espírito, medida de dois mundos, Europa e África -, não se reflete (expressa) na cena artística, há excepção da música popular que comunica de forma directa para ser avaliada pelo público (fora do circuito do poder que legitima a produção artística contemporânea em Portugal). A arte contemporânea, particularmente, permanece como um tímido vácuo (exclusivamente monocultural), onde não estão representados artistas de outras nacionalidades ou o luso-tropicalismo por não terem as mesmas oportunidades e ou não suscitarem o mesmo interesse que os outros; a construção da organização da arte contemporânea é um circulo desenhado sobre uma ideia burguesa da arte, uma ideia de classes economicamente favorecidas; fora deste sistema monocultural todos os contributos são preteridos em favor dos que gravitam à sua volta! Continuamos no passado: estamos presos dentro do sistema.

Muito poucos têm uma visão clara e compreensiva da realidade, das ligações entre a cultura portuguesa e uma série de outras culturas. Consequência: a programação e o debate internacional é algo quase inexistente a nível da arte em Portugal... Com uma evidente repercussão na criação nacional: razão para a falta de um consistente network internacional que encoraje e promova projectos e iniciativas transartísticas, capaz de criarem uma consistente ligação entre a arte que se faz em Portugal e o mundo!

Como é que alguém se pode considerar verdadeiramente versado e devidamente informado no que diz respeito à arte contemporânea, se não possuir, uma compreensão do ‘outro’, e dos novos desenvolvimentos culturais à escala nacional e internacional?

Como é que os curadores, críticos, negociantes e colecionadores, identificam os artistas emergentes – o pensamento e a estética contemporânea – se não exigirmos uma total imersão num universo de conhecimento em constante expansão. No que diz especialmente respeito à crítica, a arte exige ser avaliada a par da história, e das diferentes culturas, ao ponto de ser necessário possuir uma visão orientada para o futuro, uma compreensão das perspectivas actuais à escala internacional, de maneira a integrar a diversidade, nos trabalhos a analisar.

Por exemplo: mestrados formativos em “Estudos Museológicos e Curatoriais” deveriam dar o mote para um debate (nos circuitos académicos) entre artistas, curadores, educadores e teóricos conhecedores das artes, para uma análise intelectual capaz de examinar as relações entre os artistas, os curadores, os espectadores e as instituições onde estes se encontram. Sobretudo no contexto académico, perceber-se a razão porque quem escolhe fazer uma formação superior em artes, não tem oportunidades para exercer o seu conhecimento e a dificuldade de todos em entrar na profissão para poderem seguir os seus sonhos até onde o mérito os conseguir levar. A educação curatorial deve encontrar um bom equilíbrio entre a teoria e a práctica sem se denegrirem.

Nós estamos no passado. Eu adoro o passado. É muito mais seguro que o futuro.

No contexto institucional, é fundamental o poder político encontrar uma nova mentalidade que proteja a arte contemporânea: talvez inspirar-se na simplicidade de One Ton Prop (House of Cards), e nos valores que a arte representa, para formar ideias culturais e fugir do conservadorismo (regressivo) do tradicional pensamento político, da ideia - dos sucessivos governos - meio burguesa, meio não, meio talvez, da cultura.

Por exemplo: que progresso teremos quando se recusa tradicionalmente os concursos públicos para as instituições, como processo democrático de escolha, e ninguém parece dar por nada (e não devemos sentir que os concursos são só apropriados às Instituições do Estado: muito melhor seria a Fundação edp e a Culturgest, por exemplo, terem procedimentos democráticos).
Além do mais, temos de vencer o corporativismo – que afasta constantemente os melhores -, a actual descrença, a falta de objectivos ou de esperança que destrói aos poucos as nossas expectativas – só possível com o privilégio da meritocracia, capaz de representar um mundo de possibilidades e de oportunidades, impossível de aprisionar.

A questão ideológica é esta: a arte contemporânea é para ser levada a sério. Nesse sentido tem de ser descoberta em Portugal como um bem comum da comunidade, o bem comum que fundamenta toda a cultura, e não um bem de interesses individuais ou corporativos, como acontece!

A arte não precisa da atenção dos políticos, mas precisa do seu contexto; não se trata aqui de dar a diligente visão excessiva: não é a velha história de estar contra o sistema. Antes, parece-me que todos nós somos a cultura e devemos promover a ideia de que todos temos o dever de questionar o estabelecido (afectando até os mais impassíveis), de sonhar com o futuro como gostaríamos que ele fosse, mesmo que não esteja na nossa natureza por razões culturais sermos pensadores radicais! É possível que o momento certo dependa de nós: ou devemos abdicar dele porque perdemos a esperança de alcançar uma realidade diferente ou porque não queremos saber dela?

A questão é que tipo de sistema institucionalizamos (interessa olhar para a arte em busca de orientação?); que formas de práticas premiamos...os favores (a ignorância), substituindo o verdadeiro saber (o mérito)?; e que organização e estrutura queremos para a arte – a ortodoxia das amizades que imobilizam o desenvolvimento e o progresso, tomando o poder em absoluto?

Por outro lado, a arte (sinónimo de cultura) precisa do estado para ter investimento, para cumprir o seu papel de elevar o estatuto cultural do país, da sociedade civil. Acontece que a distribuição dos apoios da DGArtes é insuficiente, e a sua materialização pouco encorajadora para a comunidade artística (tem uma aproximação minimalista especialmente à arte contemporânea): motivo para ser repensada - para que os apoios sejam ditados com a intenção de serem reprodutivos.

Primeiro, a DGArtes não pode manter o modelo dos apoios do anterior governo! Antes, deve assumir a responsabilidade de fazer as coisas bem: uma maior concentração dos apoios deve transferir-se dos apoios pontuais (apoios circunscritos à analise dos projectos a uma simples dimensão técnica, e não multidimensional de conhecimento e boas práticas; a ideia retórica da cultura desligada da realidade está aposentada), para os apoios anuais, sendo certo que a dimensão anual dos projectos é mais credível e produtiva: programar anualmente é sinónimo de produção contínua - influenciar o dia a dia -, de formação e transformação cultural das pessoas, à semelhança de uma sala de aulas. Portugal, actualmente, é um país de eventos culturais (sazonais), consequência do distanciamento da DGArtes, que nos últimos anos ignorou o ecossistema cultural do país fazendo tábua rasa da história das estruturas de arte de programação anual.

Ainda na política de financiamento (refiro-me ao programa dos apoios directos anual e bienal), é totalmente mal-entendido pela DGArtes, a prioridade estratégica das candidaturas admitidas deverem incluir circulação nacional, em mais do que uma região do país: decisão que condiciona especialmente os projectos de arte contemporânea, podendo inclusivamente o plano curatorial contradizer-se, na impossibilidade conceptual de se ligar a mesma exposição em intimidade com diferentes espaços. O critério da circulação significa um total desrespeito pelo contexto da arte contemporânea - uma exposição de arte deve ser um diálogo diferente em cada espaço e em cada cidade -, razão porque a existência deste parâmetro de referência para apreciação parcelar deve ser abolido dos programas de apoio à arte contemporânea, especialmente se queremos falar sobre o impacto da arte nas pessoas e o seu papel na sociedade.

Também deve a DGArtes saber cumprir as datas para o lançamento dos concursos: atrasos nos lançamentos dos concursos, atrasos na avaliação dos projectos, na contratualização dos apoios e nos pagamentos, interrompe sistematicamente o ritmo (ritmo é perfeição: o ritmo permite-nos ser cada vez mais precisos) de programar, e a inovação; o bem mais essencial e necessário para desenvolver programação é o tempo!

A DGArtes tem de progredir e dar o salto necessário para perceber rapidamente como a arte contemporânea é, e, deve ser comprometida na formação da sua identidade, com o mundo pluralista, cosmopolita, e global (não rústico e provinciano). Este tipo de conhecimento e competência é especializado - a qualificação deve desenvolver-se ao longo de toda a vida -, mas não há aprendizagem na DGArtes; é rigoroso, mas não tem uma supervisão.
A DGArtes precisa desesperadamente desta consciência, para poder merecer o nome. A arte é feita de diferentes ideias, crítica e experimentação sem fim, é um meio de compreensão privilegiado da essência mais íntima do mundo: paradoxalmente, a DGArtes não pensa a arte através da vivencia; antes, vai tirando coelhos da cartola discursiva. A boa visão da arte - a sua conceptualização - precede da vida. A tarefa de pensar a arte, a sua apreensão, não dispensa nem a intuição sensível, nem a observação próxima do estado fluido e variável do mundo da arte em oposição às demonstrações do saber discursivo que têm dominado na DGArtes, particularmente a tendência para a conceptualização académica (os académicos não são o olhar visionário da arte, antes são a realidade meramente clássica), que não passa de passividade!

Por outro lado, a ancestral falta de uma comunidade filantrópica no país – contentando-se com o menos que poderem –, a dificuldade de financiar o sector, também contribui para a inércia e estagnação evidente da arte contemporânea em Portugal.

“A coragem é mais do que a capacidade de suportar, é o poder de criar a nossa própria vida contra tudo o que Deus ou os homens nos possam infligir, para que cada dia e cada noite sejam aquilo que imaginamos. A coragem faz de nós sonhadores”, Novalis.

O mundo da arte contemporânea portuguesa – salvo raras excepções – vive um clima totalmente resignado de aceitação do status quo, da verdade única e conveniente. A hierarquia dominante é um pequeno universo cheio de frívolos contemporâneos – onde tudo é sobre dinheiro -, de pretensão de controle, de acumulação de favores entre pessoas pouco preparadas…É uma espécie de moral, que suplanta o facto de ser possível que se possua uma coluna vertebral. Sinto a falta do sentido da arte maravilhosa. Vejo-me na escuridão. 

 

Victor Pinto da Fonseca