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ELMGREEN & DRAGSETL’ADDITIONMUSÉE D'ORSAY 62, rue de Lille 75343 Paris 15 OUT - 02 FEV 2025 Um interesse em memorializar as experiências triviais do quotidiano
Nas suas instalações escultóricas, Elmgreen & Dragset destacam a complexidade de práticas e objectos banais do quotidiano, sublimando estes episódios familiares e não heróicos e dotando-os de um novo estatuto. Ao refutarem a forma como organizamos e vivenciamos os espaços públicos, a dupla de artistas introduz-nos constantemente a novas possibilidades de apresentar arte. Desde a transformação da Fundação Bohen de Nova Iorque numa estação de metro da 13th Street em 2004, à instalação Prada Marfa no deserto do Texas em 2005, ao The Welfare Show nas Serpentine Galleries em 2006, às suas contribuições para os Pavilhões Dinamarquês e Nórdico na Bienal de Veneza em 2009, até à sua piscina vertical gigante no Rockefeller Plaza em Nova Iorque em 2016, Elmgreen & Dragset criam instalações cativantes dotadas de um humor insólito que revelam simultaneamente a crítica institucional patente no trabalho da dupla. O título da exposição faz referência à instalação de esculturas adicionais neste espaço sublime, já repleto de arte, onde o icónico relógio da Belle Époque marca o tempo. L’Addition é também uma reflexão sobre o papel que a tecnologia desempenha na vida contemporânea, como revela a representação de figuras que interagem com dispositivos tecnológicos. Conscientes do poder que o contexto em que uma obra de arte é exposta tem na sua leitura e significado, a intervenção site-specific da dupla convida a percepcionar as esculturas do museu de um novo prisma ao estabelecer relações sincrónicas astutas com a sua colecção, arquitectura e história. A intervenção arquitectónica original na icónica gare convertida em museu d’Orsay é uma subversão criativa excepcional, em que os artistas brincam com a inversão da estrutura da nave do edifício. A dupla exibe toda uma série de novas esculturas de cabeça para baixo, que dialogam com as obras do século XIX na colecção expostas em permanência no mesmo local do salão principal há mais de quarenta anos. Elmgreen & Dragset privilegiaram de forma muito específica as expressões artísticas de uma masculinidade mais vulnerável no acervo e construíram esculturas que se relacionam com elas na temática e na gestualidade - mantendo os seus corpos em poses idênticas mas a interagirem com objectos e dispositivos modernos como drones, óculos de realidade virtual e auscultadores. A obra David ecoa o gesto de Chanteur florentin du XVe siècle (1865) de Paul Dubois. As duas peças incentivam-nos a imaginar o que os dois jovens estarão a ouvir. Apesar da temporalidade histórica que separa o rapaz contemporâneo com auscultadores do cantor florentino a tocar bandolim, há um paralelismo na experiência de ambos. Também Boy with Drone imita, com a mesma sagacidade, o gesto do Anacréon (1851) de Eugène Guillaume. A nossa expectativa de ver o pássaro, pousado na chávena que Anacréon segura firmemente, abrir as asas e voar é equivalente à de ver o drone, no braço estendido da criança moldada por Elmgreen & Dragset, ser activado e levantar voo. Os rapazes de This Is How We Play Together parecem estar tão imersos no universo que vivenciam nos seus dispositivos de realidade virtual quanto o jovem Aristóteles no estudo do seu manuscrito em Jeunesse d'Aristotle (c. 1875) de Charles De George. Ambas as figuras absortas na aprendizagem e na curiosidade tão típicas do crescimento e da formação da identidade na juventude. Nestas instalações escultóricas, a dupla de artistas explora a omnipresença da tecnologia nas nossas vidas e a forma como ela se tem vindo a tornar numa extensão de nós mesmos. As figuras dos Elmgreen & Dragset reflectem também o isolamento que advém da nossa absorção no mundo digital, ao ponto de vivermos cada vez mais momentos completamente privados mesmo em espaços totalmente públicos. Podemos lê-las como um convite à avaliação do nosso grau de envolvimento com a tecnologia e com a sociedade. A obra 60 minutes, é mais um exemplo do interesse dos artistas em memorializar as experiências triviais do quotidiano. A peça é uma cópia de um objeto mundano tipicamente reservado à lavagem da roupa, um evento tão banal que parece não merecer ser comemorado. A forma cúbica da máquina de lavar roupa é lida alternativamente como plinto para a escultura do rapaz sentado. Este trabalho faz-nos pensar em como existimos nas nossas casas neste momento histórico em que as partilhamos com a tecnologia a um nível tão elevado. Um aspeto central na prática de Elmgreen & Dragset é a proposição de utilizações intencionalmente incorrectas de espaços, edifícios, situações sociais e objectos. Esta estratégia pretende demonstrar como o normativo no que aceitamos como sendo natural pode ser reformulado numa perspectiva peculiar. Há uma complexidade inerente a todas as coisas que permite sempre abertura para diferentes modos de ver. Ao alterarem de forma dramática as configurações espaciais expositivas, os artistas fomentam um discurso renovado em torno da exibição de arte. Em L’Addition, Elmgreen & Dragset justapõem esculturas figurativas contemporâneas aos seus referenciais históricos num sistema complexo de conotações, condições perceptivas e associações que cria um diálogo interessante entre as práticas escultóricas de representação do corpo masculino ao longo dos séculos. Moldadas em materiais tão distintos como o silicone e o bronze, as obras da dupla contemplam uma hiper-realidade enquanto reinterpretam formas históricas. O Desenho representa um adolescente ajoelhado a desenhar em frente à pintura monumental de Thomas Couture Les Romains de la décadence (1847). O grau de hiper-realismo da escultura é inclusive reforçado com o uso de roupas reais sobre a figura de silicone. Facilmente confundimos o rapaz curvado sobre uma folha de papel com uma criança real. Faz-nos lembrar um aluno que ficou para trás do seu grupo numa visita de estudo ao museu. Esta peça ecoa a criança na pintura L'Atelier du peintre (1855) de Gustave Courbet exposta directamente em frente, e evidencia o contraste entre as dicotomias passado e presente, colectivo e individual, maturidade e infância. A piscina e os seus acessórios são um tema recorrente de Elmgreen & Dragset. Em 1997, após dois anos de trabalho performativo, a dupla realizou a sua primeira escultura, Powerless Structures: uma prancha de mergulho projectada através das janelas panorâmicas do Museu de Arte Moderna do Louisiana, na Dinamarca. No museu d’Orsay, os artistas desenvolveram uma encenação evocativa colocando um menino na extremidade de uma prancha de mergulho. A escultura incorpora uma complexidade psicológica notável. O drama desta encenação aborda a superação da hesitação da criança entre a escolha de saltar ou não? Se vai decidir superar o seu medo de uma forma socialmente aceite e expectável ou se opta por demonstrar uma coragem de outro tipo e, de uma forma mais individual e rebelde, desce da prancha contrariando as representações de masculinidade canónicas que a sociedade lhe impõe. O trabalho de Elmgreen & Dragset desconstrói de uma forma lúdica as formulações commumente aceites sobre o que é arquétipo. Ao deslocar e reimaginar elementos básicos da escultura e da instalação de arte, a dupla introduz possibilidades alternativas de ler estruturas, modelos sociais e instituições, expondo a relatividade e as limitações da forma como o poder é assumido e exercido por estas entidades. Elmgreen & Dragset: L’Addition está em exposição no museu d’Orsay, em Paris, de 15 de Outubro de 2024 a 2 de Fevereiro de 2025.
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