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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Rémiges Cansadas de Samuel Silva, Brotéria. © Carmo Oliveira


Rémiges Cansadas de Samuel Silva, Brotéria. © Carmo Oliveira


Rémiges Cansadas de Samuel Silva, Brotéria. © Carmo Oliveira


Rémiges Cansadas de Samuel Silva, Brotéria. © Carmo Oliveira


Rémiges Cansadas de Samuel Silva, Brotéria. © Carmo Oliveira


Rémiges Cansadas de Samuel Silva, Brotéria. © Carmo Oliveira

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ARQUIVO:


SAMUEL SILVA

RÉMIGES CANSADAS




BROTÉRIA
R. de S. Pedro de Alcântara 3
1250-237 Lisboa

11 JUL - 07 SET 2024


 


Rémiges Cansadas, uma exposição de Samuel Silva com curadoria de Álvaro Moreira, inaugurou no dia 11 de Julho e pode ser visitada na Brotéria até ao dia 07 de Setembro.

A curta descrição do objecto-poema de que esta exposição parte é-nos dada sem gorduras: “Em 1991, Daniel Faria (1971-1999) ofereceu a um amigo um poema-objecto, redigido sobre um rolo de papel de caixa registadora, com as superfícies laterais mergulhadas em tinta vermelha e envolvido por fio do Norte. À medida que este é desenrolado, surge um texto que, numa caligrafia minuciosa, diz: O País de Deus, Porto 17 de Junho de 1991, ao João Pedro, Na instituição do ministério de Leitor, Sé Catedral do Porto 14 de Julho de 1991.”. O mesmo acontece com a proposição da exposição em si mesma “Rémiges Cansadas é uma exposição que emerge da proximidade de Samuel Silva a este poema-objecto e de um trabalho “para-textual” sobre o mesmo. A convite da Brotéria, o artista foi convocado a declinar da literatura uma experiência plástica.”.

Aqui, começam-me as interrogações silenciosas. O que são Rémiges? E porquê, Cansadas?

A exposição acontece entre duas salas. Atravessando a pesada cortina, abrindo uma frecha do mais mínimo tamanho, apenas para que o meu corpo consiga atravessar entre tecidos, entra-se numa quase absoluta escuridão. Interrompida nesta entrada, e que já, por mim, lá esperava.

Ao fundo uma luz vermelha quebra-a. E é modelada por uma voz, aparecendo e desaparecendo. Palavras calmas que, assim suponho, sejam as mesmas que constituem o poema de Daniel Faria. Ainda na obscurecida primeira sala, há um fumo denso, que também nos esperava, e no qual também penetramos. O chão é ocupado por cordas náuticas, de um sujo que as pressupõe usadas. De uma robustez que nos torna os passos difíceis, já dificultados pela necessidades de encontrar espaço para encaixar o nosso salto. Sente-se a rugosidade e a porosidade. Dos materiais, do espaço. O fumo a tocar na pele, o chão a tocar na corda, a corda a tocar-nos, preenchida de fumo.

O título recupera a dupla de palavras de um dos versos do poema O País de Deus.

O que nos diz, agora que lhe escapa?

Uma exposição, mesmo referindo, mesmo admirando uma figura, um autor, não deverá procurar ilustrar alguma proposição. Isto, caso procure ser pensamento em si, experiência e aprendizagem. O que nos diz Rémiges Cansadas, para além de Daniel Faria, para além do não público poema-objecto do poeta? Poderá Rémiges Cansadas ser uma tradução do poema? Deveria, então, esta exposição ser assinada pelo mesmo autor do poema, Daniel Faria, devidamente assinalado o autor da sua tradução, Samuel Silva?

Interrogo-me sobre quais as características desta tradução, não tendo acesso ao original. Uma tradução entre espaços? É uma espacialização de um poema que é um objecto, que já seria passível de ser mostrado num espaço expositivo sem se sentir que ali não pertence. Aliás, escreve quem o leu e a seu propósito, Samuel Silva em 2022, que “A experiência da leitura transforma-se numa experiência física que implica todo o corpo e simultaneamente cinemática, pois a visualização do poema acontece como se de uma sucessão de fotogramas se tratasse. “O País de Deus” enquanto poema não é apenas a escrita que no seu interior encontramos, mas toda a semiologia presente na relação entre seus elementos constituintes: os búzios, o pote de barro, a rolha de cortiça, a cor vermelha, o rolo de papel térmico, o fio norte, o modo de escrita e a operatividade da sua leitura, a distância, o espaço que ocupa, a fragilidade. O tempo.” É exactamente esta leitura do poemas que se transporta para o espaço expositivo, a mesma leitura que traz a este novo leitor, o que visita a exposição, a carga matérica, os seus elementos, a dimensão do tempo e a visualização da escuta e da oscilação.

As cordas continuam para uma segunda sala, mais pequena, e ocupam-lhe o chão com o mesmo emaranhado incómodo ao passeio de um olhar desatento. Sugerem-nos que paremos, que encontremos o lugar certo em que o nosso calçado consiga pousar equilibradamente o chão.
Sugerem-me que escutemos. Nesta segunda sala, uma pequena peça escultórica, de chumbo, encontra-se suspensa na parte central direita, do ponto de vista de quem entra. A peça “poderá insinuar uma cóclea” escreve Álvaro Moreira, sendo a cóclea a parte espiralada do ouvido interno associada ao nosso equilíbrio.

Há uma tendência para a acumulação de pessoas - não se tenha a sorte de uma visita solitária - no interlúdio entre ambas as salas, onde se escuta e se vê melhor. Mais luz. Mais fumo. Menos Sombra. Menos Vazio.

O que se dá, no “declinar da literatura uma experiência plástica”, quando se evocam poemas- objecto, se raptam metáforas, se transduzem palavras escritas para palavras ditas? Todos estes são já lugares híbridos, da experiência plástica da literatura, de um aproximar ao cerne da literatura.

No poema Explicação da Escuta, citado e escrito a mel na parede de um espaço expositivo por Samuel Silva, numa anterior ocasião, Daniel Faria diz-nos “Ninguém me chama / Escuto o calcanhar do pássaro/ Sobre a flor / E não respondo.”. Sob o título “A poesia multidimensional de Daniel Faria”, o mesmo texto de 2022 acima referido, Samuel esclarece que o primeiro contacto com a obra de Daniel Faria se deu pela escuta e não pela leitura, no ido ano de 2010.
Continuam-me, entre as escutas, as interrogações: o que acrescenta à escuta a adição de sabor, do sabor do mel? O que se acrescenta à escuta a visualização do interior do órgão? A visão, o sabor, o doce e o pesado, o que se carrega daqui para a escuta, esse elemento transversal à posição (do autor Samuel expressa obras), ao tema, ao enunciado?

Cansadas parece-me a direcção desta exposição. Este é um lugar de recobro. A cortina isola-nos num lugar esterilizado de outras acelerações do pensamento fruto de contínuos e rápidos estímulos, de tantas conversas sem escuta, de tantos dias sem um profundo silêncio.

Entrar nesta exposição assemelha-se, sim, à entrada na leitura de Daniel Faria, onde uma paz nos visita fruto das suas palavras, expressões da sua visão apaixonada e ardente e ainda assim clara e esclarecida do mundo. Não há cegueira. Há contemplação tal como é, sem outros idealismos, tal como se está e como se escolhe. Esta exposição, infira ou não a instituição que a acolhe e a figura maior da poesia que se evoca, concede-nos a possibilidade de escuta, não apenas do texto dito, como de uma qualquer oração interna, visceral, mas coordenada.

Menos Incómodo controlado.

Precisaríamos que a cóclea se dissesse?

Como rumor lançado aos ventos, foi descrita a performance acontecida ao deslocar os longos metros de corda, robusta e pesada, do camião de transporte para o interior da Brotéria. A “relação entre a rua e a casa”, dada na descrição da Brotéria sobre si mesma, tornou-se literal. Corrijo, consta que se terá tornado literal. Foi esta performance interrompendo o grande fluxo de trânsito, de automóveis a turistas, despertando olhares curiosos e interrompendo também a continuidade dos gestos, com um ou outro telefone sacado oportunamente para documentar o momento, que as rémiges se terão iniciado no cansaço.

Afinal, aqui está o que ainda não existia no poema: uma outra vida e diferentes voos.

No dia 7 de Setembro,11h às 12h30, último dia desta exposição, será possível ver o nunca antes tornado público poema-objecto de Daniel Faria e conversar em torno do mesmo e da sua ligação à exposição.

 

 

 

Catarina Real
(1992, Barcelos) Trabalha na intersecção entre a prática artística e a investigação teórica no campos expandidos da pintura, escrita e coreografia, maioritariamente em projectos colaborativos de longa duração, que se debruçam sobre o questionamento de como podemos viver melhor colectivamente. É doutoranda do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho com uma investigação que cruza arte, amor e capital. Encontra-se em desenvolvimento da Terapia da Cor, prática aplicada entre teoria da cor, arte postal e intuição coreográfica. Mantém uma prática de comentário - nas vertentes de textos de reflexão, textos introdutórios a exposições, entrevistas e moderação de conversas - às obras e processos realizados pelos artistas na sua faixa geracional, com a intenção de contribuir para um ambiente salutar de crítica e criação colectiva e comunitária.
Foi artista residente na Residency Unlimited, Nova York, com apoio do Atelier-Museu Júlio Pomar/EGEAC.

 


 



CATARINA REAL