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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Morgan Quaintance, Efforts of Nature IV (2024), Solar - Galeria de Arte Cinematica: Vista da instalação 'Untitled Installation' (2024). © Liz Vahia


Morgan Quaintance, Efforts of Nature IV (2024), Solar - Galeria de Arte Cinematica: Vista da instalação 'Untitled Installation' (2024). © Liz Vahia


Morgan Quaintance, Efforts of Nature IV (2024), Solar - Galeria de Arte Cinematica: Vista da instalação 'Untitled Installation' (2024). © Liz Vahia


Morgan Quaintance durante a visita guiada, junto à instalação 'Untitled Installation' (2024). © João Brites


Morgan Quaintance durante a visita guiada, junto à instalação 'Untitled Installation' (2024). © João Brites


Morgan Quaintance, Efforts of Nature IV (2024), Solar - Galeria de Arte Cinematica: Vista da instalação 'Untitled Installation' (2024). © Liz Vahia


Morgan Quaintance durante a visita guiada, junto à instalação 'Untitled Installation' (2024). © João Brites


Vista da projecção de 'Untitled Sequence One' (2024) e 'Untitled Sequence Two' (2024). © Liz Vahia


Vista da projecção de 'Untitled Sequence One' (2024) e 'Untitled Sequence Two' (2024). © Liz Vahia


Vista de Revolve (1977) de Nancy Holt. © Liz Vahia


Vista de 'Decay Loop' (2024). © Liz Vahia


Vista de 'Satellite' (2024). © Liz Vahia


Vista de 'Loop One' e 'Loop Two' (2024). © Liz Vahia


Vista de 'Efforts of Nature' (2023). © Liz Vahia


Vista de 'Efforts of Nature' (2023). © Liz Vahia


Vista de 'Efforts of Nature' (2023). © Liz Vahia


Vista de 'Efforts of Nature' (2023). © Liz Vahia


Still do filme Efforts of Nature (2023), de Morgan Quaintance. Cortesia do artista e Solar - Galeria de Arte Cinemática.

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MORGAN QUAINTANCE

EFFORTS OF NATURE IV




SOLAR - GALERIA DE ARTE CINEMÃTICA
Solar de S. Roque Rua do Lidador
Vila do Conde

13 JUL - 31 AGO 2024


 


[o texto entre aspas cita afirmações do próprio artista, recolhidas aquando da visita guiada à exposição e da masterclass no âmbito do 32º Curtas de Vila do Conde]

 

 

A junção de um corpo criativo em dificuldade e o processo transformativo que o planeta Terra está a sofrer, é uma ideia que perpassa como um fio ao longo da exposição que Morgan Quaintance trouxe à galeria Solar, inserida no 32º Curtas de Vila do Conde e visitável até dia 31 de Agosto.

No seguimento de um acidente que lhe afectou as costas, a dor crónica e todos os constrangimentos que daí derivam, passou a dominar a vida de Quaintance. A fusão entre corpo e equipamento ficou de repente visível, quando um falhou o outro deixou também de funcionar.

Tornou-se difícil, ou mesmo impossível, continuar a fazer o tipo de filmagens que fazia. Viajar para sítios desconhecidos, caminhar horas com equipamento pesado às costas, segurar câmaras analógicas pesadas… eram coisas que tiveram que ser repensadas. Recentrou então a sua abordagem para poder continuar a trabalhar. Passou a ficar mais tempo no estúdio a editar e a compor e menos na rua a gravar. Quaintance fala deste novo tempo como um “tempo alquímico”, um tempo de transformação e construção mais intenso e controlado.

O “filmar” passou a ser regido pela frase de Sol Lewitt: “The idea becomes a machine that makes the art”. Mas os seus trabalhos agora não são só resultantes dessas dificuldades físicas, são também derivados de um interesse crescente por processos de construção e abstração. Houve como que uma coincidência entre esta necessidade de adaptação às novas circunstâncias físicas e uma preocupação crescente com questões estéticas e estruturalistas. Quaintance “estava psicologicamente preparado para esta mudança”. Onde é que esta nova condição o poderia levar? Que novas imagens poderiam surgir?

Apesar da condição debilitante que é viver com dor crónica, Quaintance ressalva a capacidade que agora tem de se “afastar das coisas, de desacelerar, de ver as coisas de forma diferente”. Levou-o mesmo a questionar se seria necessária toda aquela tensão constante que estava associada às filmagens que fazia.

Depois da pandemia, apercebeu-se ainda que estava “paralisado” durante parte do dia, embrenhado nos seus problemas, mas também nos problemas que afectavam o planeta.

Depois de se submeter a uma TAC, reparou que as imagens resultantes desse exame eram imagens muito semelhantes às imagens que mostravam as “doenças” do planeta, como se o interior e o exterior do corpo estivessem de algum modo em ligação:

“Algures no “caminho da recuperação”, deparei-me com imagens de satélite do planeta Terra que monitorizavam especificamente as alterações geológicas causadas por mudanças ambientais. Fiquei impressionado com a semelhança entre estes esforços para documentar, diagnosticar e compreender as alterações do planeta e os meus esforços para documentar, analisar, diagnosticar e tratar os problemas do meu próprio corpo.” [1]

Quaintance quiz saber se esta situação podia gerar “imagens interessantes”. Basicamente, perguntava-se o que aconteceria se juntasse estes dois tipos de imagens.

 

Morgan Quaintance durante a masterclass no 32º Curtas de Vila do Conde. Projectada vê-se uma imagem da sua coluna vertebral.

 

O que vemos em “Efforts of Nature IV” é o resultado dessa continuada exploração audiovisual da coincidência entre a falência do corpo e o desmoronar do planeta. A exposição é apresentada como o quarto momento de um projecto maior começado em 2023 (apresentado anteriormente em Londres, Estocolmo e Gante), cujas materializações têm em comum as “ideias, imagens e afectos” do filme “Efforts of Nature” (2023). Este filme é o foco central da exposição, e os outros filmes presentes são como desdobramentos desse filme original. A profusão de nomes genéricos ou de “Intitled” nas obras, atesta bem esse carácter de subordinação à obra de onde irradiam.

Em “Efforts of Nature” (2023), Quaintance apropriou-se de imagens que já tinha e tentou abordá-las de uma forma “mais pessoal”, mas usando paradoxalmente uma estratégia de abstracização da imagem através de processos digitais que simulam técnicas analógicas. O jogo entre o digital e o analógico não tem apenas um objectivo estético, combina qualidades significativas do trabalho de Quaintance: a “lisura” da imagem digital é próxima ao conceito de reportagem, enquanto a materialidade do analógico se aproxima mais de uma forma poética.

Como estava a trabalhar com uma quantidade limitada de imagens, estes processos permitiram-lhe expandir possibilidades. E não só da imagem (esticando, distorcendo, etc.), mas também do som e da linguagem. Usou, por exemplo, frases da indústria do bem estar ou da auto-ajuda e tornou-as “mais fantasmagóricas”; ou poesia (de Yusef Komunyakaa) que ali se associa à condição de dor permanente (“forever prisoner”) — “Gerar imagens, que geram sons, que geram linguagens”.

“Efforts of Nature IV” tem início logo no átrio de entrada da galeria, mesmo antes de chegarmos às salas de exposição, com uma instalação intitulada “Untitled Installation” (2024). Nela se incluem fotografias de diferentes formatos e montadas de formas distintas, inclusive a resvalar para o chão, gravuras anatómicas, uma t-shirt “memento mori”, restos de película intervencionada, embalagens e um tecido impresso com imagens fotográficas dos dois lados.

Nesta instalação sem título, Quaintance disse apenas querer “apresentar referências, conceitos. Não dar respostas, mas fazer conexões”.

 

Vista parcial da instalação Untitled Installation (2024), “Efforts of Nature IV”. © Liz Vahia

 

Duas imagens, situadas junto ao chão, foram captadas em Nova Iorque. Estas imagens, e outras realizadas em âmbitos semelhantes, documentam a sua estadia em vários sítios e como a doença constringe agora essas vivências. Neste caso de Nova Iorque, as imagens são resultado da lentidão dos seus movimentos em contraste com a vida frenética da cidade, numa tentativa de junção de “espaço físico e espaço mental”.

Pendurada na porta que separa esta zona de entrada do espaço contíguo, vemos uma espécie de cortina impressa dos dois lados: na frente, uma fotografia de um interior doméstico (roupa a secar em casa); no verso, uma imagem das calotes polares a derreterem.

 

Vista parcial da instalação Untitled Installation (2024), “Efforts of Nature IV”. © Liz Vahia

 

Nesta instalação, podemos encontrar ainda pedaços de película intervencionada colados na parede de vidro com fita cola preta. Como se tornou difícil segurar uma câmara de filmar analógica, devido ao seu peso, Quaintance decidiu desenhar directamente sobre a película. O que vemos aqui são troços de película de 16mm intervencionada com tinta e depois transferida para vídeo.

Estes excertos de fita fazem parte dos filmes “Untitled Sequence One” (2024) e “Untitled Sequence Two” (2024), que podemos ver projectados na primeira sala da galeria. Mais do que a significação das imagens que se vêem, Quaintance está preocupado com o ritmo que elas transmitem. Sequências mais contemplativas alternam com montagens rápidas. O som ajuda à construção deste ritmo distinto das imagens, oferecendo uma tradução sonora da intervenção gráfica. Segundo Quaintance, estes são filmes sobre o que é “mover-se quando um já não se move muito”. O movimento aparece aqui como conceito abstracto e destacado de um corpo produtor, e que pode ser trabalhado visualmente.

Na transição desta primeira sala para a segunda, podemos encontrar num televisor colocado no nicho a meio do corredor, o filme “Revolve” (1977) de Nancy Holt, onde o escritor e cineasta Dennis Wheeler relata o modo como a leucemia alterou o seu corpo e o seu modo de vida. Wheeler acabaria por morrer nesse mesmo ano vítima dessa doença. No filme, vemos Wheeler dizer que está a “tentar sentir o que é a leucemia”, como “algo que se está a passar em mim. Está a possuir-me biologicamente.” O que se pode fazer apesar disso? Para Wheeler, o que ele tem que fazer, é tentar “compreender” a doença.

Na segunda sala de exposição, encontramos instalações com as obras “Satellite”, “Decay Loop” e “Loop One” e “Loop Two”, todos de 2024, realizados a partir de imagens de satélites recolhidas de websites específicos. São imagens com uma resolução de baixa qualidade, mas que interessou a Quaintance pela semelhança com as imagens resultantes das suas intervenções directas na película de 16mm. A surpresa da semelhança entre estes dois tipos de imagens está na base da montagem expositiva deste material e da sua disposição no espaço, que promove uma aproximação física do corpo do espectador, uma relação anatómica com o ecrã disposto na vertical, por exemplo.

O ínfimo e o infinito combinam-se aqui. O próprio corpo em sofrimento do artista ressoa nestas imagens aparentemente impessoais dos satélites. Distanciadas em muitos milhares de quilómetros de uma experiência corporal, elas dialogam com o processo interior biologicamente activo do organismo do artista. Quaintance poderia dizer, tal como Wheeler, que “algo que se está a passar em mim”. E algo se está também a passar com o planeta - e estes acontecimentos têm como epifenómeno visual este tipo de imagens: uma tomografia ou uma fotografia de satélite podem ser imagens do que se passa.

Descendo à cave da galeria Solar, descemos também a uma “outra realidade”. O filme “Yemrehana Krestos” (2004), escolhido propositadamente para este ambiente de espaço debaixo de terra, mostra-nos filmagens da igreja Yemrehana Krestos, perto de Lalibela, na Etiópia. Lalibela é conhecida pelas suas construções abaixo da superfície e esta igreja específica está incrustada numa caverna na montanha e alberga uma espécie de vala comum, com inúmeros esqueletos humanos visíveis aos olhares dos peregrinos que visitam a igreja todos os dias. Neste ambiente vemos o confronto entre a vida e a morte, os milhares de peregrinos que circulam e os milhares de cadáveres que apodrecem ali em monte. Quaintance fala-nos de “algo para lá do corpo e da vida quotidiana” que continua a existir e é visível ali naquele espaço. Continuamos aqui numa exploração do caminho que existe “apesar de”: apesar da doença, apesar da morte, apesar da escuridão, apesar da incerteza.

Apesar de todas as disfunções, o corpo continua a produzir. Imagens, sons, palavras, combinam-se numa resposta que põe em ligação escalas diferentes, mas que nos trazem sensações, sentimentos, semelhantes.

 

 


Liz Vahia
Licenciada em Antropologia, pela Universidade de Coimbra. Doutoranda no programa Filosofia da Ciência, Tecnologia, Arte e Sociedade da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

 

 


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Notas

[1] Excerto do texto de Morgan Quaintance, Efforts of Nature IV, na brochura da exposição, p. 5.

 



LIZ VAHIA