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VERA MOLNÁRPARLER À L'ŒILCENTRE POMPIDOU Place Georges Pompidou 75191 Paris 28 FEV - 26 AGO 2024
Vera Molnár (Budapeste 1924 - Paris 2023), artista pioneira da arte digital, é celebrada numa notável retrospetiva intitulada “Parler à l’oeil”, no Museu de Arte Moderna do Centre Georges Pompidou, em Paris. Molnár foi a primeira artista mulher, em França, a utilizar o computador e algoritmos como meios de produção artística, afirmando-se enquanto uma das impulsionadoras da arte da computação e da cibernética. Integrou o Groupe de Recherche d'Art Visuel, criado em Paris em 1960, e fundou o Groupe Art et Informatique, na Université Paris VIII, em 1967, onde desenvolveu a sua “máquina imaginária”, um programa digital que cria e transforma formas através da combinação de diferentes instruções. Desde então, a artista dedicou-se a uma exploração sistemática de grupos de formas, nutrida por uma certa obsessão pela repetição que se traduz numa radicalidade da geometria. Ao mesmo tempo, a obra de Molnár revela um remarcável gosto pelo lápis e pelo seu traço, sendo sobretudo atravessada por um contínuo questionamento plástico da óptica, através da psicologia das formas e da semiótica.
Vera Molnár no Centre Georges Pompidou. © Constança Babo
A exposição no Centro Pompidou inclui uma extensa e diversificada, embora cuidadosa, seleção de trabalhos da artista, desde pinturas a desenhos, esculturas, fotografias, instalações e excertos do seu Diário. Organizada por ordem cronológica, a mostra inicia-se com obras dos primeiros anos do percurso de Mólnar, quando se formava na Escola de Belas-Artes de Budapeste e aventurava-se, ainda, entre a representação e a abstração. Exibe-se uma série dos seus primeiros desenhos, “Arbres et collines géométriques”, de 1946, inspirada nas paisagens da Transdanubia, região da Húngria a oeste do rio Danúbio. Serão estes alguns dos últimos exemplares de Molnár que ainda remetem para paisagens e elementos concretos, na medida em que a artista rapidamente enveredou por uma arte integralmente abstrata, no decorrer da sua vinda para Paris, em 1947. Foi justamente durante essa época, em França, que Molnár deixou-se instigar e influenciar por artistas tais como François Morellet, com quem veio a casar, Constantin Brancusi e Sonia Delaunay. Traçou-se, então, a sua inscrição na vaga da arte concreta, e a sua dedicação à abstração geométrica e ao construtivismo. Molnár combinou a matemática e a geometria numa arte desprovida de referências do mundo real, integrando o movimento modernista de rutura com a representação. Como tal, a década de 50 surge, na exposição do Pompidou, através de composições que situam a artista na corrente da abstração geométrica do pós-guerra. Indique-se a peça “Circles et demi-circles”, de 1953. De seguida, exibem-se as suas primeiras experiências de desenhos a partir de algoritmos, nos quais se encontra a referência a um dos mais relevantes artistas do expressionismo, na peça “À la recherche de Paul Klee”. A procura em causa poderá remeter para os tempos de estudante na Universidade de Budapeste que, de acordo com a política da época a leste, estava consideravelmente alheada ou desfasada das vanguardas que ecoavam em grande parte da Europa. Terá sido somente após a Segunda Guerra Mundial que nomes como, justamente, Paul Klee chegaram à Húngria. Molnár, ao longo da sua obra, homenegeou ainda outros artistas tais como Paul Cézanne, Claude Monet e Piet Mondrian. Retomando a atual mostra e relativamente à década de 70, transita-se em deambulações entre a ordem e o caos, “Déambulation entre ordre et caos” (1975), para composições exatas e rigorosas entre linhas, “Des lignes, pas des carrés” (1976), concebidas a partir do computador. Esta ordem de trabalho acentua-se em peças particularmente interessantes, caso de “Identiques mais différents”, de 2010. Ao longo da exposição encontram-se, ainda, algumas instalações tais como “Trapèzes penchés à droite 180%”, de 2009, e “La Vie en M”, de 2023. Destaque-se “OTTWW”, de 1981, inspirada num poema do poeta romântico inglês Percy Bysshe Shelley, “Ode to the West Wind”, de 1820. A peça de Molnár, que ocupa duas paredes da galeria, é composta por fio negro de algodão, pregado em diversos pontos, numa desconstrução da letra W, ou antes, na sua construção figurativa. O resultado assemelha-se ao que seria o rasto deixado pela letra quando soprada pelo vento. Também a evidenciar, uma magnífica obra apresentada pela primeira vez, intitulada “Perspective d’un trait”, produzida entre 2014 e 2019. Trata-se de uma escultura composta por uma grelha de alumínio sobre uma chapa de aço inoxidável polido que materializa e dá tridimensionalidade a um desenho que a artista havia gerado em computador, em 2014. A experiência perceptiva e visual que este objeto artístico fornece é particularmente interessante, sugerindo a adopção de diferentes perspetivas e pontos de vista, para descobrir diferentes configurações formais e reflexos. Na exposição é também integrado algum trabalho fotográfico de Molnár, caso da série “Etudes sur sable”, de 2009. Revelam-se ainda outras fotografias, do seu Diário, a par de diagramas e documentos que contribuem para conhecer mais profundamente o processo criativo da artista até aos seus últimos meses de vida. Nomeadamente, apresentam-se recentes ensaios de obras geradas por inteligência artificial, cimentando a ininterrupta e incessável evolução de Molnár enquanto artista e, efetivamente, cientista da computação. A exposição de Vera Molnár no Centro Pompidou, inaugurada em fevereiro, pouco após o seu falecimento, encontra-se passível de ser visitada até ao dia 26 de agosto. É uma honrosa retrospectiva, representativa de um percurso excepcional, longo e consistente, prova de uma dedicação incansável à experimentação e à exploração do infinito campo de possibilidades do traço, da linha, da geometria, do algoritmo e da sua arte.
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