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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição: Daniel Blaufuks, And all will be repeated, Appleton Square. © Pedro Tropa


Vista da exposição: Daniel Blaufuks, And all will be repeated, Appleton Square. © Pedro Tropa


Vista da exposição: Daniel Blaufuks, And all will be repeated, Appleton Square. © Pedro Tropa


Vista da exposição: Daniel Blaufuks, And all will be repeated, Appleton Square. © Pedro Tropa

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C/O Berlin, Berlim
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ARQUIVO:


DANIEL BLAUFUKS

AND ALL WILL BE REPEATED




APPLETON SQUARE
Rua Acácio Paiva, 27
1700-004 Lisboa

14 SET - 11 OUT 2023

Esperança através da repetição?

 

Nostalgia de Tarkovsky é um percurso entre duas cenas epifânicas e ambas envoltas em neblina: aquela do início onde o exilado Gortchakov renuncia a ir ver o fresco da Madonna del Parto de Piero della Francesca, tomando como pretexto o seu cansaço de "todas essas belezas repugnantes”, porque não se sente capaz de assistir aos ritos femininos poderosos e arcaicos diante da Nossa Senhora, grávida do Salvador do Mundo. E a cena quase final (então, apenas duas sequências de sonhos) onde Gortchakov, investido pelo “louco Domenico” da sua missão salvadora (“a tentar salvar a minha família, pensei egoisticamente: é o mundo que deve ser salvo”), tenta atravessar a bacia seca das termas de Santa Catarina em Vignoni com uma vela acesa na mão. Enquanto que Domenico falhou muitas vezes (assim que ele acende a vela e entra na água, saltamos-lhe em cima e gritamos que ele é louco), Gortchakov será bem sucedido, mas perderá a vida. Já não tem de lutar contra a água, esvaziada da bacia, nem contra os habitantes de Bagno Vignoni, ausentes excepto no final, mas contra ele mesmo: no final de um longo plano de quase 9 minutos, ele consegue colocar a vela ainda acesa na parede, e então colapsa, o seu coração desiste. Ele pagou com a vida a sua tentativa de salvar o mundo. O Requiem de Verdi (que já ilustrou o genérico) acompanha a sua travessia pela neblina. Durante esse tempo, Domenico imola-se no Capitólio. Outros melhor do que eu analisaram a dimensão religiosa, crística deste episódio, entre sacrifício e salvação.

Quando entrei na sala da Appleton Square onde está projectado (até 11 de outubro) o último filme de Daniel BlaufuksAnd all will be repeated, estava-se a meio do filme, e a primeira sequência que vi, é o momento em que as suas mãos colocam o toco de uma vela acesa sobre o parapeito. Reconhecendo imediatamente a cena, duas emoções se misturam: a alegria de saber a provação superada, o mundo salvo, e a angústia do destino trágico, do sacrifício, preço a pagar pela salvação. Esta curta mostra o artista/ actor, vela acesa na mão a ir e vir num lago, parecendo à deriva, sem objectivo preciso ou talvez à procura de uma saída, uma vedação para atravessar. Este lago (nas Furnas, nos Açores) é banhado por fumarolas vulcânicas que o envolvem de bruma; discernimos uma mansão e uma pequena ilha, tão melancólica como aquela de Böcklin. O único sinal de vida, um pássaro incongruente que, a certa altura atravessa o campo da esquerda à direita. O filme começa nos corredores de um hotel de estilo modernista onde o artista, filmado frontalmente, leva solenemente a sua vela: eco talvez do hotel toscano onde Gortchakov rejeita os avanços de Eugenia. Ele entra em seguida na água e atravessa o lago.

Em Tarkovsky, o sépia caracteriza as sequências de sonhos, enquanto que em Blaufuks, a cena inicial no hotel é a preto e branco, e a cor aparece com a sua entrada na água. O filme de Blaufuks é acompanhado de um poema em russo (sem legendas) do pai de Andreï Tarkovsky, Arseni, "And this I dreamt, and this I dream", cuja folha de sala dá a tradução em inglês. Andrei incluiu, em diversas ocasiões, poemas do seu pai nos seus filmes, mas, do meu conhecimento, não neste. O poema (cujo terceiro verso dá título ao filme) é repetido ao longo do filme. Este jogo de recomeço e de errância, essencial ao filme de Blaufuks, ameniza o sentimento de desespero que pode emanar de Nostalgia. Mas de que deve o mundo ser salvo? Entre o exilado Gortchakov, o exilado Tarkovsky (e o exilado Pavel Sosnovski que Gortchakov procura), e o neto de exilados Blaufuks, não faltam razões para duvidar da salvação do mundo. Podemos ainda ter esperança? E recomeçar a ter esperança?

 

 

Marc Lenot
É desde 2005 autor do blog Lunettes Rouges, publicado pelo jornal Le Monde. Em 2009 obteve o grau de Mestre com uma dissertação sobre o fotógrafo checo Miroslav Tichý, e em 2016 doutorou-se pela Universidade de Paris com uma tese sobre fotografia experimental contemporânea. Membro da AICA, venceu em 2014 o Prémio de Crítica de Arte AICA França, pela sua apresentação do trabalho da artista franco-equatoriana Estefanía Peñafiel Loaiza.



MARC LENOT