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MANUELA MARQUESECHOES OF NATURE![]() MNAC - MUSEU DO CHIADO Rua Serpa Pinto, 4 1200-444 Lisboa 21 OUT - 29 JAN 2023 ![]() Manuela Marques, entre ecos da natureza e da cultura: materialidade fotográfica![]()
Mas parece que depois as imagens (ou em todo o caso a maioria delas) lhe escaparam e adquiriram a sua própria autonomia, o seu discurso independente, que se despojaram do seu argumento natural para se tornarem puros objectos culturais: esqueça o que representamos, dizem elas, não leia as legendas, contentai-vos em nos olharem fixamente, longamente, com atenção. Nós somos objectos, matéria, esculturas planas, composições de formas e de cores abstractas; não tentem decifrar-nos, “compreender-nos” e abandonai-vos à contemplação, à meditação. Este é um rasgão branco sobre um fundo preto: mas isso não basta para saboreá-lo, para desfrutar deste recorte de renda, desta inquietude sombria que devora a luz. É um lago de montanha, é, dizem-nos, uma ilha, uma parte de arquipélago, outras são vizinhas na parede, e claro evocamos o Atlântico e os Açores, mas é necessário? Sentem-se mais ricos, mais felizes em saber que esta fotografia foi pensada e construída assim? Esta é uma forma perfeita, eterna, arcaica, podemos imaginar uma pedra na mão de um Neandertal, ou então um ídolo primitivo, um símbolo andrógino. A sua superfície é picotada, marcada, como traços de uma história desconhecida. E ficamos quase desiludidos de ler a legenda, Onda, e de perceber que é um jogo de luz sobre a areia à beira-mar: não que não seja também uma pista interessante, transporta-nos para uma fusão sensual de elementos, mas porque não é só isso, isso limita o meu olhar, a minha fantasia, afasta-me da forma pura para me constranger a uma única leitura. Sísmico (2019) é um magma fusional onde formas indistintas se entrelaçam num abraço infernal, e fico feliz de não compreender nada, de não saber do que se trata (e de me abster de o perguntar à Manuela): eu não quero saber, eu quero somente mergulhar nessa imagem, nessa matéria ao mesmo tempo atraente e repulsiva, e deixá-la penetrar o meu corpo, o meu cérebro e as minhas entranhas (e, graças a Deus, ela chama-se Sísmico, o que não diz nada de preciso). Da mesma maneira, uma parede de imagens a cores, intitulada Superfícies Sensíveis, oferece ao olhar uma sinfonia visual complexa, que, podendo evocar a química dos fotogramas, derrota à vontade, e isso está muito bem assim.
Réplica 1, 2022. Impressão digital a jato de tinta pigmentada sobre papel baritado, 65 x 97,5 cm. © Manuela Marques
Banhamo-nos assim durante a exposição em sombras e reflexos, em brilhos e rupturas, percorrendo as fronteiras entre líquido e sólido, entre visível e escondido, entre explícito e misterioso. Confesso ter gostado menos das raras imagens mais anedóticas onde o humano aparece, as mãos estendidas para o céu ou uma cena verde à Friedrich. Mas, já há oito anos, eu privilegiei no seu trabalho o facto deste se encontrar “algures entre o real e a sua representação, ou melhor para além da representação”. A exposição foi apresentada anteriormente no Havre e à Kerguéhennec. Belo catálogo (recebido da assessoria de imprensa): numa caixa, um livro que contém imagens de página inteira, com um índice separado contendo toda a série com títulos e dimensões, e um caderno trilíngue (francês, português, inglês) com um texto mais “natureza” de Léa Bismuth e um texto mais “cultura” da comissária portuguesa Emília Tavares. ![]()
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