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LUÍSA FERREIRAA CIÊNCIA CURA![]() MUSEU DO NEO-REALISMO Rua Alves Redol, nº 45 2600-099 Vila Franca de Xira 12 NOV - 26 FEV 2023 ![]() ![]()
“O fragmento é, pela sua natureza, um ponto onde se inicia; um fragmento nunca termina, mas é raro um fragmento não começar algo. Podemos dizer que um fragmento é uma máquina de produzir inícios, uma máquina de linguagem, das formas de utilizar a linguagem, que produz começos – pois tal é a sua natureza…O fragmento acelera a linguagem, acelera o pensamento.” Gonçalo M. Tavares
A vida, a ciência e a arte aliam-se na sequência de fotografias, em diversos formatos e tamanhos, que Luísa Ferreira apresenta no Museu do Neo-Realismo até 26 de fevereiro de 2023. “A Ciência Cura” revela fragmentos do pulsar da humanidade, nos primeiros meses em que a sociedade foi obrigada a aprender a lidar com uma pandemia inesperada e que, a cada instante, ameaçava arrastar o mundo, em especial os hospitais, para o colapso. Numa construção semântica oposta à ideia de colapso, esta série de imagens de Luísa Ferreira - retirada do real entre abril e junho de 2020, em diversos centros de investigação do país para o livro homónimo à exposição, editado pela INCM (Imprensa Nacional Casa da Moeda) e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – constrói um universo fotográfico, no qual campos de força contraditórios se encontram. A candura do retrato de pormenor das mãos de luvas brancas atrás das costas ou a mão de luva azul que se estende para acender a luz entre um aglomerado de equipamentos na área das ciências médicas incitam à reflexão e reforçam a ideia de que, mesmo em estado aparentemente caótico, a ciência consegue encontrar soluções e proteger da fragilidade da vida, da enfermidade e que, sempre que lhe é possível, cura.
A Ciência Cura de Luísa Ferreira. Museu do Neo-Realismo. © Luísa Ferreira
Sem a imposição da lineariedade, que parece ser completamente intencional, sem um conteúdo ou um estilo único, as fotografias evocam um certo humanismo, embora não sejam propriamente humanistas. Algumas imagens representam mesmo lugares ou objetos que só a própria ciência entenderá qual é a sua funcionalidade, transformando-se em miragens de artefactos extraídos de um mundo aparentemente frio, mas que, no entanto, existe para encontrar soluções para os problemas do ser humano. Ao contrário da construção natural da anterior exposição “Matérias” (2022), estes fragmentos nascem do quotidiano; são fotografias que “falam” e têm necessidade de comunicar, muito próprio do fotojornalismo que marcou a experiência da autora. Na proposta visual “A Ciência Cura”, existe ainda lugar para a perplexidade que a arte desperta e para a noção de conseguir suspender o tempo. Num fenómeno de intertextualidade com o Renascimento, mais especificamente com a obra Mona Lisa, de Da Vinci, o retrato de um homem do século XXI rodeado de caixas de papel e equipamento médico perturba. Esta foto tem o punctum referido por Roland Barthes, em A Câmara Clara, e que cada observador inconscientemente identificará. “O punctum é então uma espécie de fora-de-campo subtil, como se a imagem lançasse o desejo para além daquilo que dá a ver: não apenas para o fantasma de uma prática, mas para a excelência absoluta de um ser em que a alma e o corpo se misturam (2005, pp. 83-84). O punctum também existe nas muitas imagens em que a figura humana parece ausente, mas é trazida à presença através das roupas ou objetos utilizados nesse ritual de investigação e de desejada cura. Cada fragmento visual tem uma magnitude distinta, destacada ou atenuada pelo enquadramento e pela dimensão da moldura que a envolve. Como se, como escreveu Gonçalo M. Tavares, cada fragmento pudesse suscitar um pensamento; um início (2003). Nesse começo, o ser humano empreenderia um processo de descoberta através de um diálogo com um mundo exterior, adquiria uma nova forma de se relacionar com a natureza, consciente de que é preciso parar de destruir; é importante confiar e, tal como os investigadores e a ciência, aprender a respeitar e a cuidar do outro, do planeta. Através da visualidade poética, Luísa Ferreira transporta-nos para a urgência de acreditar num processo curativo com respeito pelo outro. Mesmo que o tema representado seja - de forma óbvia ou obtusa - a ciência, o universo dos centros de investigação e os seus laboratórios, esta série fotográfica pode ser, antes de mais, uma metáfora da própria vida na modernidade. Como escreveu o curador da exposição, David Santos, diretor científico do Museu do Neo-Realismo: “No momento em que inauguramos a exposição, em novembro de 2022, a pandemia dá sinais de enfraquecimento, dominada pela ação da ciência e do esforço de muitos profissionais de saúde que, ao longo de todo este tempo (2020-2022), contribuíram para a melhoria substancial das condições de segurança contra pandémica da nossa população.”
Fátima Lopes Cardoso
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Referências Bibliográficas
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