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INEZ TEIXEIRADEGELO![]() FUNDAÇÃO CARMONA E COSTA Rua Soeiro Pereira Gomes, Lote 1- 6º A e D, Edifício de Espanha (Bairro do Rego) 1600-196 Lisboa 19 FEV - 21 MAI 2022 ![]() ![]()
Em Degelo, de Inez Teixeira, contemplamos a experiência pela experiência através das forças indizíveis de um universo orgânico, dos quais vislumbramos fenómenos, energias e transitoriedade. A artista apresenta no espaço o tempo como processo perceptual, cujo ser-corpo de acção passa a ser um não-corpo, uma pura paisagem do efémero, uma memória ‘antes do Degelo’: “Antes do Degelo o homem avançou nos seus três fascinantes factores de energia: a memória, a ansiedade e o afeto” (Bessa-Luís, 2004, p.33). O ser-corpo revela-se como um simulacro de uma imagem, percepcionamos apenas a sua sombra. A paisagem cujo gesto esboça o efémero, desdobra-se no tempo e no espaço. Inez Teixeira espelha a miragem de ausência de um corpo através do informe. Uma expressão “anti-greenberguiana” segundo a qual Rosalind Krauss nos evidencia na arte a contemporaneidade: “O informe tem seu próprio legado a cumprir, seu próprio destino que é parcialmente o de liberar nosso pensamento da semântica, da servidão à temática” (1997, p. 105). Na obra plástica de Inez Teixeira, o efémero dilui-se no informe como uma matéria que vibra no intervalo de tempo, mesmo assim perdemo-la num prelúdio de deslindar a sensação de o encontrar nos vestígios, no vazio e no decalque. A passagem do tempo sobre o ser manifesta-se subtil e gradualmente, contendo a pausa no próprio gesto a expressão das forças dinâmicas espácio-temporais, cuja matéria repercute as noções de mutabilidade, de instabilidade e das inevitáveis contingências da vida orgânica. Degelo é a pura invisibilidade do orgânico, uma metáfora do mundo contemporâneo, cuja metamorfose anuncia a vicissitude do ser humano, que flutua inevitavelmente nessa mesma infinitude do fluxo. Nas obras Degelo, testemunhamos a temporalidade no campo visual, num desvanecimento da matéria que se desgasta através da alusão às várias camadas em acrílico. A artista impulsiona a perda da energia que se desagrega entre elas, como num processo entrópico do Universo. Este processo da acção desmaterializa-se no invisível, onde tudo flui para se desintegrar, se dissolver ou se dissipar para além do intervalo e do vazio, numa via sem retorno. Presenciamos, assim, uma espécie de instante da aparência, que se perpétua no espaço. Através das pinturas e dos desenhos, somos invocados a um estado meditativo como se eles fossem um instante, uma espécie de “instante extraordinário” segundo Casanova (2003), mas prevalecendo onde em todo o presente se retorna, a um passado se ressoa, a um futuro se volta, numa dobra que se dobra em si mesmo sem fim e se revela no instante existencial. Todavia, o anseio pela eternidade é desprovido de qualquer entendimento da essência da coisa-em-si. Percecionamos através de uma série de obras, os diálogos que nos suscitam os estados interiores de contemplação, eclodem no silêncio. Fragmentos de fenómenos naturais e orgânicos que se expressam na transitoriedade e no inesperado, a artista executa o decalque como uma imagem invertida, aludindo a uma sensação de ausência do ser-corpo. Nuno Faria (2022), curador da exposição, recorda-nos: Talvez uma metamorfose, uma luminosa e atmosférica transformação; um processo poético de ressignificação, uma perturbante forma de fazer alteridade – o desenho não é aqui um espaço de representação, mas de revelação; uma forma de conduzir forças interiores que, misteriosamente, nos pertencem e transcendem. Em pequenos apontamentos, fragmentos, desenhos ou sinais escultóricos, Inez Teixeira convoca ao observador uma outra dimensão, cujas probabilidades de caminhos se expandem em múltiplas linhas de acção. Numa expressão do interior do efémero, numa memória longínqua de um passado colectivo, o espectador tem a possibilidade de sentir o silêncio, que nos propícia em visitar a análoga experiência da poetisa Emily Dickinson: Silence is all we dread. A acção de pintar ou de registar plasticamente dilacera o silêncio e o vazio no pensamento, que se encontra num estado meditativo. Inez Teixeira opera na experiência do sensível, na qual executa na linguagem pictórica um movimento solto e espontâneo, onde prevalece no limiar do processo criativo o mistério de todas as “coisas-em-si”. Blow king to beggar and queen to seem Canta E. E. Cummings a natureza e o ser humano – ‘blow space to time’, um eventual eco do informe e um deslumbramento na Paisagem, de 2021, como num acto da criação que se afigura numa “expressão em verde”. Na pintura, sentimos a força da sensação como uma magistratura das leis do universo, despontando na diluída cor esbatida, quase como numa aguada, a pincela de uma mancha de tinta verde, numa sensação de uma miragem ou de um impulso, que prevalece gravado no papel a performance da matéria. Uma experiência estética que deflagra no vazio entrelaça-se num olhar contemplativo sobre a finitude, que se resgata através de um crânio. Ressoa um memento mori da transitoriedade da vida.
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[A autora escreve segundo o antigo acordo ortográfico]
Joana Consiglieri Vive e trabalha em Lisboa. Artista plástica, teórica de arte, investigadora, professora do ensino superior e Design (Cocriadora de AMAZ’D art studio). Doutoramento em Ciências da Arte. Mestrado em Teorias da Arte e licenciada em Artes Plásticas – Escultura.
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