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O ESTADO DA ARTE


The Key in The Hand, de Chiharu Shiota. Fotografia: Georgina Fernandes


The Key in The Hand, de Chiharu Shiota. Fotografia: Georgina Fernandes


They come to Us without a Word, Joan Jonas. Fotografia: Georgina Fernandes


They come to Us without a Word, Joan Jonas. Fotografia: Georgina Fernandes


I SCREAM DADDIO, Sarah Lucas. Fotografia: Georgina Fernandes


I SCREAM DADDIO, Sarah Lucas. Fotografia: Georgina Fernandes


Untitled Trumpet (2015), Katharina Grosse. Fotografia: Georgina Fernandes


Untitled Trumpet (2015), Katharina Grosse. Fotografia: Georgina Fernandes


My Epidemic (Small Bad Blood Opera) (2015), Lili Reynaud Dewar. Fotografia: Georgina Fernandes


My Epidemic (Small Bad Blood Opera) (2015), Lili Reynaud Dewar. Fotografia: Georgina Fernandes


My Epidemic (Small Bad Blood Opera) (2015), Lili Reynaud Dewar. Fotografia: Georgina Fernandes


Concertino Unisono, Michael Stabb

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GEORGINA FERNANDES

2015-06-06




 

89 países participantes, entre os quais 5 novas presenças (Granada, Mauritânia, Mongólia, República de Moçambique e República das Seychelles), e o regresso, depois de uma longa ausência, do Equador, das Filipinas e da Guatemala. 136 artistas, 88 deles pela primeira vez, de 53 diferentes países. Dos trabalhos expostos, 159 são novos.

 

Orientada pelo curador Nigeriano Okwui Enwezor que, 120 anos depois da primeira edição em 1895, pretende enfatizar o mote desta 56ª Bienal, “Todos os Futuros do Mundo”, injetando uma carga sócio-política bem acentuada e servindo-se do potencial da arte como canal de comunicação para mostrar como as problemáticas éticas e sociais condicionam o modo de olhar o Mundo.

 

Na La Serenissima, grande parte das exibições oficiais, tal como outras exposições e eventos que decorrem em paralelo, inundam todos os Campos (pequenas praças), as ruas, a praça de são Marcos, as ilhas Venezianas e o cerne nos Giardini e Arsenale.

 

Esta é a bienal com maior participação feminina. São as mulheres que pulverizam o visitante com momentos de frescura pelo percurso do labirinto espiralesco da exibição, que por vezes se torna enfadonho-sufocante.

 


Nos Giardini:

 

The Key in the Hand é a obra apresentada por Chiharu Shiota (nascida em Osaka 1972 e atualmente a viver em Berlim) sob a curadoria de Hitoshi Nakano (curador da Kanagawa Arts Foundation).
Um emaranhado de fios cor de sangue, entrelaçados geométrica e esteticamente com uma minúcia inebriante, de onde pende uma chuva de chaves de todas as idades, é o inevitável encanto do pavilhão Japonês. Circuitos de ADN foi o que, num coup d’oil, me pareceu ter visto ao entrar neste espaço. Seguiu-se a descoberta de que, curiosamente, há uma obra anterior da artista, que data de 2004, intitulada Dialogue From ADN.
A instalação de Shiota pede o contributo de qualquer visitante. A iconologia de uma chave, o que ela comporta, o que abriu, o que fechou, o que pode abrir. Haverá fechadura onde ainda encaixe? As chaves trazem memórias e mistérios. A artista quer acumular recordações do mundo inteiro e, em simultâneo, fazer repensar o sentido da vida. The Key in the Hand dá continuidade à obra da artista coerentemente e sem cansaço, espelhando a congruência da unicidade do ser e de todos os trilhos e escarpas que nele cicatrizam. O contributo à obra de Shiota pode ser deixado, em forma de chave, por qualquer visitante, para zarpar num dos dois barcos de madeira que acompanham a instalação.

 

They come to Us without a Word, de Joan Jonas, é um projeto apresentado pelo MIT List Visual Arts Center em cooperação com o U.S. Department of State para o pavilhão dos Estados Unidos.
Na sequência de um antigo projeto, Reanimation (apresentado como performance em 2010 no MIT), e em grande parte inspirado nos poemas do islandês, Nobel da Literatura em1955, Halldòr Laxness, They come to Us without a Word dá continuidade às palavras mágicas do autor, evocando a fragilidade da natureza e a sua rápida transformação.
Quatro salas percorridas, entre instalações de vídeo, desenhos, apontamentos escultóricos, trazem histórias de fantasmas, contadas por tradição oral em Cape Breton, Nova Escócia (descoberta pelo navegador e armador de navios português João Álvares Fagundes). Uma narrativa não linear, com vozes a ecoar repetidamente, à medida que passamos de sala para sala : «Ghosts are very much alive there, as in all parts of the world; We are haunted, the rooms are haunted.»

 


O surrealismo cómico-erótico de Sarah Lucas é o que o pavilhão britânico parece oferecer.
I SCREAM DADDIO é curada por Emma Dexter. As provocatórias esculturas de Lucas invocam questões de género, morte e sexo. Espojadas sobre objetos do quotidiano - sanitas, secretárias, cadeiras, mesas, uma máquina de lavar (em forma de ovo estrelado), uma arca frigorífica - que servem de apoio e conforto erótico às esculturas da artista.
Os cigarros colocados nos orifícios das peças, (desde o abdómen superior até aos membros inferiores) são uma provocação propositada da artista, que lembra terem sido colocados ali para o público, ainda que não sejam do agrado deste.
O amarelo (gema de ovo) banha todo o pavilhão, segundo Lucas, para o inundar com a luz do sol e o visitante de bom humor.
Este humor é necessário em toda a bienal, porque o que deveria ser um exercício retemperador acaba por ser, de uma forma geral, algo enfadonho e até mesmo penoso.

 


No Arsenal:

 

No meio de um real arsenal de obras expostas, Katharina Grosse compõe em grande escala o seu já tão característico éden de cores. O espaço utilizado é meticulosa e aleatoriamente preenchido com uma paleta de cores, degradês, sombras e luzes, provocando a sensação de entrarmos num caleidoscópio tridimensional. Servem de base ao fresco de Grosse materiais como o tecido, alumínio e terra com erva a germinar discretamente por toda a instalação. Aqui mora o paradoxo entre o real e o ilusório, entre a vida e a morte. O efeito visual, ao entrar no trabalho da artista alemã, é tão inesperado que nos coloca questões súbitas – O que se passou aqui? Onde estou?

 


Lili Reynaud Dewar, co-fundadora do jornal feminista Pétunia e mentora da escola experimental Baba, partilha o seu novo trabalho My Epidemic (Small Bad Blood Opera) sob a forma de instalação e em modo performativo no decorrer da bienal.
Literatura, música, cinema, poesia são referências que dão forma às performances e instalações da artista francesa, usando como fonte de inspiração e criação nomes como Sun Ra, Pier Paolo Pasolini, Josephine Baker e Guillaume Gustan.
Reynaud combina uma série de vídeos de uma anterior performance em que dança nua (inspirada nas coreografias de Baker) com música e textos que opõem o escritor francês Guillaume Dustan e o líder da Act-Up francesa, Didier Lestrade, relativamente às questões de sexo desprotegido e responsabilidade pessoal. Lestrade foi duramente criticado, tendo mesmo fugido de Paris quando defendeu publicamente que os portadores de HIV deviam ter práticas sexuais desprotegidas entre eles.
Esta pequena ópera de Dewar, floreada com os seus movimentos de nu charlestonescos, sublima a necessidade de debate em questões tão importantes como a profilaxia, a responsabilidade, a liberdade, a sexualidade e o ativismo por parte de cada ser.

 

Adrien Piper, nova-iorquina (a residir atualmente em Berlim) foi a artista premiada com o seu The Probable Trust Registry, uma performance interativa onde o visitante pode deslocar-se a um dos três balcões disponíveis (com assistentes e tudo!) e assinar espontaneamente uma declaração de responsabilidade moral para consigo e para com os outros!
As regras do jogo são:


I will always be too expensive to buy
I will always mean what I say
I will always do what I say I am going to do


Portanto: assinar um contrato com a artista para serem fotocopiados e documentados no APRA (Adrien Piper Research Archive), Foundation Berlin. Consideremos esta performance uma paródia ao estado geral do mundo burocratizado e à inesgotável inspiração humana ao serviço do mesmo.

 


Além da afirmativa presença feminina nas obras expostas, as mulheres destacam-se como curadoras nos eventos oficiais e não oficiais que circundam toda a bienal.

 

Na única praça da cidade, Piazza San Marco, Sílvia Guerra, portuguesa radicada em Paris há 9 anos, diretora artística do La’Bel (Laboratoire Artistique Du Groupe Bel), em conjunto com Laurent Fiévet (diretor), propõe o primeiro projeto da série 3 Easy Pieces: uma série de performances inesperadas no espaço público em forma de escultura social que interagem com qualquer transeunte.
O Concertino Unisono de Michael Stabb utiliza todos os elementos existentes na Praça: as orquestras dos históricos cafés Florian (1720), Quadri (1775) e Lavena (1750), pombos e sinos do campanille da basílica Bizantina em uníssono.


Quantos turistas e quantos venezianos já terão visto um único maestro a dirigir as 3 orquestras? Quantas vezes as 3 orquestras se uniram? Quantas vezes os 3 cafés se uniram? Ao desconstruir o modelo turístico estabelecido, associando cafés e respetivas orquestras, as regras numa das mais bonitas praças do mundo são, por 20 minutos colocadas em standby e infringidas pelo encanto do sinete arrepiante de Michael Stabb, que nos leva ao centro da praça introduzindo o maestro à sua maestria.

 

Okwui Enwezor quis vogar uma gôndola e mostrar o mundo ao mundo pelos labirínticos canais venezianos, mas acabou por perder-se em mar alto num cargueiro sem combustível.
Uma composição sem métrica ou dentro da sua métrica, sem ser uma métrica em si. Não criou uma fórmula nova, usou compassos fortes e fracos sem atingir a fluidez de ritmo a que se propôs.
Apesar disso, e independentemente da confusão a que somos submetidos, há momentos que nos fazem querer ver melhor e entender o propósito da 56ª Exposição Internacional de Arte de Veneza.

 

 

Georgina Fernandes