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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga


Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga

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ARQUIVO:


DAVID DOUARD

O’TI’LULLABIES




MUSEU DE SERRALVES - MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA
Rua D. João de Castro, 210
4150-417 Porto

12 MAI - 06 NOV 2022

O embalo da fantasmagoria urbana em composições fragmentadas

 

 


A O’TI’LULLABIES, título da exposição do artista francês David Douard (n.1983), com curadoria de Philippe Vergne e Filipa Loureiro, patente no Museu de Serralves, coube-lhe dar uma corporalidade dissonante entre ao que alude, a sonoridade terna das canções que embalam as crianças até aos braços de Morfeu, e ao conteúdo artístico que abarca, pejado de assemblages escultóricas e instalações que se situam na fronteira desenlaçada entre o coletivo e o individual, o doméstico e o urbano, o íntimo e o público, e que nos impelem, a golpe de vista, para uma narrativa hermética, obscura e onírica que exige uma redobrada oxigenação dos sentidos para ser deslindada. Tal deve-se, numa composição totalizante, às materialidades sobrepostas, rompidas, descarnadas que potenciam o toque a texturas diversas e à heterogeneidade de signos e significados; à tautologia do som onomatopeico (bip) de uma máquina, produzido por uma voz humana; à fluorescência da luz projetada à entrada, que aparece de forma intermitente, e dos globos de luz pelo espaço; e ainda aos elementos vidrados ou espelhados que nos devolvem outras imagens, à poesia corrompida e interrompida e aos objetos que apelam ao erotismo, ao fantástico, à cultura urbana e à dualidade de abertura e encerramento e que, em conjunto e desvinculados das suas funcionalidades, entram no espectro do readymade, sugerindo metáforas e concetualizações da vida e do mundo.

 

Psicogeografia de um percurso aleatório

Definido pelo artista e respeitado pela curadoria, o percurso a seguir pelo espaço expositivo não obedece a uma predeterminação. E essa aleatoriedade direciona-nos para o rompimento com os movimentos e os percursos que a sociedade fixa e impõe ao corpo, proporcionando, consequentemente, a construção do nosso mapa de percursos, a nossa geografia existencial. Cada indivíduo é um indivíduo geográfico. (Tavares, G. M., 2013, p.124) Isto adquire particular sentido se atendermos à forte imagética urbana que a exposição apresenta e que nos leva a pensar a cidade de outras formas, não obstante a multiplicidade e aleatoriedade de objetos e fragmentações presentes, que não são de interpretação imediata. Já na década de 60, a Internacional Situacionista, que se juntou à Internacional Letrista, na qual Guy Debord (1931-1994) era o seu mais proeminente membro, e à Sociedade de Psicogeografia de Londres, (McDonough, T., 2002, p.241) defendia a necessidade de liberdade de movimento do sujeito na cidade, livre da instrumentalização do capital, através da produção de mapas psicogeográficos que potenciassem movimentos insubordinados e leituras múltiplas, em oposição às diretrizes usuais, com a consciência que o espaço é constitutivo e constituído pela sociedade, num processo inter-relacional de habitar. (McDonough, T., 2002, pp 243-252) As derivas, como eram designados estes movimentos espontâneos pela cidade, proporcionavam novas considerações sobre esta e os seus bairros, redefinindo, fragmentando e rompendo a construção social inerente a estes, da mesma forma consideravam as experiências surrealistas no espaço e proporcionavam o designado ato de fala pedestre, em que são faladas as divisões e fragmentações mascaradas pelo espaço abstrato, em que o valor do uso do espaço é defendido e se constroem novas relações sociais através de um comportamento lúdico construtivo. A deriva foi uma tentativa de mudar o significado da cidade através da forma como era habitada. (McDonough, T., 2002, pp 257 e 260-262)

 

Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga

 

 

Materialidades (in)orgânicas

O ato de falar, no espaço da cidade, permite definir um espaço em torno do corpo, em que as palavras se tornam um prolongamento deste. (Tavares, G. M., 2013, p.460) O interior expande-se para o exterior e o corpo, o organismo torna-se mundo. Por sua vez, o exterior concentra-se e perde dimensão e volumetria e entra, através da alimentação e respiração, no corpo. O mundo torna-se organismo. (Tavares, G. M., 2013, p.463) No espaço expositivo a matéria orgânica, que comporta a desfaçatez do perecível, mostra-se, ironicamente, em representações artificiais: mechas de cabelo sintético, flores de plástico de diferentes tamanhos e cores, e, ainda, bocas, dentes, línguas e narizes que aparecem estampados, em serigrafia, ou tridimensionais, em plástico. Disse o escritor Gonçalo M. Tavares (2013, p.460) que há na boca uma concentração invulgar de actos fundamentais. Sabemos da palavra dita e desdita, alegre, triste, de escárnio. As onomatopeias. A respiração que é fulcral para a vida. Os alimentos saboreados e mastigados. O beijo sentido, de prazer, de saudade, enternecido. Pensar e falar a cenografia da cidade é perceber a sua composição por camadas de matérias, um palimpsesto de criação coletiva e individual que pode evidenciar fatores biológicos, sociais, culturais, políticos, geográficos, psicológicos, e outros, que numa amálgama são duplamente contextualizados e descontextualizados, lógicos e surreais. Tal, direciona-nos para a filosofia do sistema vital do neomaterialismo que não descartando a linguagem, a significação ou a construção de sentido, enfatiza a interrelação dinâmica, as transposições e os devires entre entidades humanas e os designados outros, quer sejam geológicos, zoológicos, ecológicos ou tecnológicos (aparelhos e artefactos). Respeitando as diferenças de intensidades, propriedades e localizações (heterogénese diferencial das matérias) há um fluxo de movimento mútuo, uma inter-relacionalidade, que informa e transforma os intervenientes, que insta novos potenciais e capacidades, e que na sua amplificação e dinamismo não se prende com polarizações binárias como matéria/mente e natureza/cultura, perspetivando um continuum natureza-cultura. (Braidotti, R., 2022, pp 1-6) Esta interconexão, num todo orgânico-artificial de linguagem e matérias, está patente na obra de David Douard quando as obras que se apresentam no espaço expositivo comportam, de uma forma geral, uma coerência em que são comuns: materiais diversos como o plástico, o gesso, o papel, os tecidos, o metal, o alumínio, o vidro, as tintas industriais e a madeira; e elementos iconográficos, que se repetem, como cortinas, grades, bocas, dentes, línguas, postes, estruturas indecifráveis amolgadas, mechas de cabelo sintético, correntes, cabos, esferas ou semiesferas, fechos éclair, versos escritos. Entende-se, desta forma, que estas obras artísticas compostas por fragmentos, numa aparente realidade dissonante e fractal, ressoam numa consonância estética, o que não deixa de ser paradoxo, e começam por ser concebidas, segundo o próprio artista, de forma imprevisível, sem uma lógica estrita, passando a serem construídas quando um material encontra/estrutura um pensamento, quando a arte desenvolve uma forma de linguagem que, com o decorrer do tempo, transmite uma espécie de mensagem. (Douard, D., 2020)

 

Vista da instalação, ‘David Douard O'Ti'Lulabies’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. © Filipe Braga

 

 

Apontamentos estéticos: a psique gótica e as referências urbanas

A cenografia fantasmagórica de David Douard pode, assim, implicar uma desencriptação multidirecional, devido à utilização de um amplo espectro de matérias, mas também de referências que vão desde a história da arte (em entrevista o artista faz referência aos artistas japoneses do movimento Fluxus, como Tetsumi Kudo, assim como a Mike Kelly, como fontes de inspiração), à ciência, tecnologia, o mundo virtual (uma vez que os elementos linguísticos são recolhidos online), à cultura mainstream e, de forma vincada, como já suprarreferido, por elementos do espaço urbano. (vide folha de sala da exposição) Acrescenta-se, no entanto, a estética da psique gótica que transborda para a arte contemporânea através da celebração da ambiguidade, da ritualização do caos (Momin, S.M., 2007 [2004], p. 49), da fragmentação e narrativas inconsistentes, do excesso de formas morfológicas e desconexas que Wilhelm Worringer (apud Grünenberg, C., 2007 [1997], p.42) definiu como um pathos estranho que se liga à animação do inorgânico e que traz as interligações e a paradoxalidade das matérias diversas e, ainda, através do deleite pela materialidade voluptuosa e sensual (Momin, S.M., 2007[2004], p. 51) que brota do excesso, de desejo ou fantasia, e que impele a imagens de horror, luxúria e repulsa. (Grünenberg, C., 2007 [1997]. p. 38)

E exemplifica-se através: da profusão de representações de bocas, dentes, saliva e línguas compridas, carnudas e pontiagudas que nos remetem para um mundo erótico, mas também de repulsa; dos tecidos de rede, das correntes, fechos éclair, máscaras e cabelo postiço que representam nuances do universo estético de dor, prazer e secretismo das práticas sadomasoquistas; do fantástico e dos filmes de terror, cuja estética e transgressão têm servido a arte contemporânea a nível formal, estilístico e temático (Grünenberg, C., 2007 [1997]. p. 40) e são assumidos através da dentadura de vampiro e da figura estampada do palhaço Pennywise, do filme de terror IT, que aparecem na obra Cortex OV Light 3 (2020-22); de possíveis analogias a mundos distópicos e/ou paralelos pela sonoridade aguda e repetitiva que paira no espaço e que se assemelha a alguns traços sonoros da série sul-coreana Squid Game, e as pequenas casas de plástico invertidas da obra EV’R 2 (2021) que nos projetam para o mundo invertido da série norte-americana Stranger Things; e da referência aos espinhos que, em desenho serigrafado, atravessam várias obras e revelam o interesse do artista pela natureza, o black metal e os graffiti, essa arte urbana expressiva, efémera e ilegal.

Este universo imagético protagoniza, desta forma, a transgressão da normalidade e das convenções impostas pela sociedade através da subversão da beleza agradável institucionalizada; da tensão entre o orgânico e o artificial e da dilaceração de binómios como bem/mal, sanidade/loucura, prazer /ofensa visual. (Grünenberg, C., 2007 [1997], p.38) Consequentemente, transparece a ideia de William Burroughs, de que não existe um exterior real na cultura contemporânea, o que leva ao desenvolvimento da designada utopia pirata que consiste num reino mental ou físico que nos liberta das condições de controlo. Estas novas formas do mito podem ser descritas como espaços liminares, transicionais, desancorados, não fixos e resistentes (Momin, S.M., 2007[2004], p. 54) , como acontece com a paradoxalidade que o artista assume ao considerar que O’Ti’Lullabies tanto serve uma realidade urbana pública, aberta, despida e cruel, como a intimidade e a privacidade do quarto de um adolescente que, nesta fase particular de desenvolvimento, experiencia oscilações naturais de humor, a descoberta da sexualidade, a constituição da espinha dorsal da sua personalidade que culmina no que o neurocientista António Damásio designa o sentimento de si, e a vivência das consonâncias e dissonâncias entre o seu mundo privado e a esfera pública das relações sociais.

Esta dualidade e a sua transitoriedade de estados (abertura/encerramento; público/privado) foi representada através de objetos como cortinas, grades de metal, fechos, correntes e portas envidraçadas que, por não se encontrarem sempre dispostos de forma a cumprirem a sua funcionalidade, aludem, simultaneamente, a uma concetualização de um mundo desconexo e fragmentado. Este mundo onde, também, a poesia surge em versos inteiros (U/They ((, 2021) ou incompletos pelas folhas rasgadas ou por se encontrarem parcialmente dentro da estrutura que parece guardá-los (For thee Secretion’2, 2021), e onde os reflexos surgem múltiplos pelas superfícies vidradas (Lick´ng a’n OrchiD 6, 2021; U/They, s.d.) e espelhadas (U/They ((, 2021), através dos quais nos encaramos, assim como aos outros que circulam pelo espaço, e às obras e objetos em redor, e nos traça a metáfora entre o concreto e o abstrato que caracteriza este espaço organizado como um Cadavre Exquis de signos, objetos e palavras.

 

 

Sandra Silva
Licenciada em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e mestre em Estudos Artísticos - variante Estudos Museológicos e Curatoriais, pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, com uma dissertação sobre a interligação entre arte e ciência. Dedica-se à investigação independente, com particular interesse pelos diversos temas da arte e curadoria contemporânea.   

 

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Referências Bibliográficas

Braidotti, R. (2022). The Virtual as Affirmative Praxis: A Neo-Materialist Approach. Humanities 11: 62 https://doi.org/ 10.3390/h11030062

Douard, D. (2020). DSCENE Exclusive Interview With Artist DAVID DOUARD. Entrevista com David Douard. Entrevistado por Katarina Djoric para Dscene Magazine. https://www.designscene.net/2020/12/interview-david-douard.html

Grünenberg, C. (2007 [1997]). Gothic: Transmutations of Horror in Late Twentieth-Century Art//1997. In G. Williams (Ed.). The Gothic - Whitechapel: Documents of Contemporary Art. Whitechapel e The MIT Press

McDonough, T. (2002). Situationist Space. In T. McDonough (Ed.) Guy Debord and the Situationist International – Texts and Documents. Massachusetts Institute of Technology

Momin, S.M. (2007[2004]). Beneath the Remains: What Magic in Myth?//2004. In G. Williams (Ed.). The Gothic - Whitechapel: Documents of Contemporary Art. Whitechapel e The MIT Press

Tavares, G. M. (2013). Atlas do Corpo e da Imaginação – Teoria, Fragmentos e Imagens. Editorial Caminho



SANDRA SILVA