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PEDRO CALAPEZDEBAIXO DE CADA CORGALERIA BELO-GALSTERER Rua Castilho 71 r/c esq 1250-068 Lisboa 07 MAI - 25 SET 2021
E é através desta dimensão que revisitamos a sensação por Deleuze (2003, p. 56): [t]he task of painting is defined as the attempt to render visible forces that are not themselves visible. Likewise, music attempts to render sonorous forces that are not themselves sonorous. That much is clear. Force is closely related to sensation: for sensation to exist, a force must be exerted on body, on a point of the wave. Tal como na música, a cor narra a experiência no tempo e no espaço. A linha surge como contraponto da junção das manchas, a cor cobre uma sobre outra, fazendo com que voltem a aparecer subtilmente no espaço. Na pintura, nasce o movimento e a energia reflete. Estabelece-se o ritmo, dando ênfase à transparência como se se transformasse em “matérias”. Cria-se, assim, uma espécie de sistema pictórico. Pedro Calapez adota uma paleta de cores fortes e intensas. Simultaneamente, diverge em quentes ou frias, claras ou sombrias, apresentando o processo da pintura através da ação indutiva cor-espaço que faz lembrar “color-field painting”, de Clement Greenberg. Embora o crítico de arte quisesse apresentar uma nova leitura aos artistas norte-americanos emergentes dos anos 1950, quase ficou conotado por uma perceção meramente decorativa, o que levou Gombrich a argumentar (1993, p. 481): Mas seria erróneo apresentar a cena contemporânea como se fosse inteiramente dominada por experimentarmos tinta, textura ou formas, e nada mais. Debaixo de cada cor deu lugar às forças de tração da Física. Um verdadeiro contraste que reflete a ação do gesto na transparência. Numa experiência quase científica do que se entende por cor, o artista viabiliza a desarmonia do sistema cromático. Produz uma linguagem e um significado, obrigando o observador a ir além da perceção do sentir “debaixo da cor”. A cor evoca a dimensão física e matemática como se fosse um diagrama de respostas corporais e naturais de um “sistema específico energético”. Relembramos as palavras de Ruben (2004) sobre os pintores do século XX: “There was a strong feeling that color composition could be pursued in an objective, “scientific” way.” Em amarelos, laranjas, verdes, azuis, bem como pretos e castanhos, a pintura assume, no tempo e no espaço, uma linguagem gramatical, abrindo-se, desta forma, ao movimento. Calapez aplica a cor sobreposta em camadas, de tal modo que se vê a transparência e a luminosidade. As camadas das várias cores ou tons são aplicadas de um modo leve, intensificando a expressão do gesto do artista. Somos, assim, remetidos para a citação de Alda Galsterer (2021): As obras nesta exposição assumem todas um registo mais abstrato, não obstante uma linha inicial que nos parece querer revelar mais qualquer coisa: aquilo que se encontra “debaixo de cada cor”. Em algumas das suas obras, o pintor cria uma tensão através do contraste. Noutras, enfatiza a cor com patines quase monocromáticas, não empregando um registo homogéneo, mas uma pura impressão vibrante do movimento. Dele emerge a luz, que se propaga de um modo invisível, cujas propriedades físicas se revelam cruciais para a criação da pintura. Pedro Calapez afasta-se deste passado estético existencial, cuja expressão procura a emoção, embora estes artistas quisessem ultrapassá-la. As pinturas de Calapez expressam-se através de ondas eletromagnéticas de pura energia, cuja velocidade, ritmo e vibração se manifestam no espaço bidimensional, que, ao produzir uma tensão no gesto, reflete a força física do artista.
Pedro Calapez, Olhares indiscretos #04, 2021
Com Calapez, revivemos as grandes superfícies da cor através de um olhar de “pura objetividade”, se for possível conceber esta leitura na pintura contemporânea. As cores são apreendidas como matérias corpóreas, adotando o conceito de tinta-material. Através da aplicação gestual do pigmento, o observador liberta-se da ilusão, embora, no espaço, continuássemos a imaginar mais do que subtilezas reveladas através da experiência cromática. Numa pura sensação. A cor vibra, cintila, repete-se, movimenta-se de uma forma aparente de um contraste para outro. Desequilibra e acentua o gesto em movimentos fortes de cor-luz. O observador retoma a consciência do seu lugar no espaço, sentindo a sua espacialidade. Ao olhar para a cor, percecionamos a escala. Uma realidade física que para Pedro Calapez expõe através da deslocação do movimento entre as várias pinturas. Embora estas obras sejam apenas bidimensionais, passíveis de ser percecionadas esteticamente numa leitura mais tradicional, contemplamo-las. Sentimos a presença do volume espacial do seu trabalho anterior. A luz exterioriza a pintura, a cor movimenta-se para lá da superfície da tela. A cor e a matéria encontram-se na plasticidade do gesto. Uma dinâmica entre a matéria e a cor. Funde-se a ação no gesto, na vibração e no ritmo. Desfrutamos a beleza cromática. Vivenciamos a cor pura na pintura.
Joana Consiglieri
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